Entrevistas e Textos Importantes

19.1.04

Criminosos comuns ou menores infratores?
Projetos para redução da maioridade penal dividem opiniões e suscitam discussões entre especialistas


Um dos temas mais controversos na pauta da discussão nacional no momento é a redução da maioridade penal. A PEC (Proposta de Emenda Constitucional) apelidada de Liana Friedenbach (adolescente morta com o namorado em novembro por um outro adolescente de dezesseis anos) tramita no Congresso Nacional e objetiva reduzir a maioridade para doze anos no caso de crimes hediondos.
O projeto polêmico é de autoria do senador evangélico Magno Malta (PL/ES) (veja seção “Diálogos” desta edição) e não é o único a tratar do tema. O Legislativo Federal espera ter resultados sobre a discussão do tema até o meio deste ano.
Desde que o debate se reacendeu, as opiniões que vêm sendo expressas são extremamente divergentes. Do lado dos favoráveis à redução da maioridade penal encontram-se personalidades como o cardeal arcebispo de Aparecida do Norte (SP), D. Aloísio Lorscheider, o presidente do Senado, José Sarney, e o presidente do Tribunal Superior do Trabalho, ministro Francisco Fausto.
No pólo oposto estão o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, o ministro da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, Nilmário Miranda, e a Defensora-Geral da União, Anne Elizabeth Nunes.
Mas, certamente, o crítico mais importante dos projetos de redução da maioridade penal é o próprio Presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva. No entendimento do Presidente, a sociedade tem uma enorme dívida social com a juventude. "Até entendo que um pai e uma mãe machucados com a morte brutal de uma filha possam reagir emocionalmente. Todos que estamos aqui poderemos reagir emocionalmente e querer vingança, se acontecer algo com um filho, um parente ou conhecido próximo. Agora, o Estado, não. Não pode reagir emocionalmente. O Estado, através de suas instituições, tem de fazer justiça e precisa julgar sem nenhuma paixão, porque, senão, continuaremos a cometer erros neste País", disse Lula. E ele criticou também os que pedem a adoção da pena de morte no Brasil. "Será que as pessoas pediram pena de morte para os policiais que praticaram a chacina da Candelária, será que as pessoas pedem pena abrupta quando um adulto que estupra uma menina ou quando faz sexo com uma menina nesses bordéis da noite espalhados pelo País, tirando proveito da situação financeira delas?", questionou.
O pastor João Maria Medeiros, diretor do Orfanato Lírio do Vale, que atende menores em situações de risco, é favorável à redução da maioridade penal até os dezesseis anos, já que jovens com essa idade já possuem o direito facultativo de voto. “Mas acreditar que isso vai resolver o problema da criminalidade é perder tempo”, disse ele.
Para o pastor, o único meio de se reduzir a criminalidade juvenil é investir em educação. “O nosso sistema educacional foi sucateado e falido nos últimos vinte anos para fortalecer o setor privado. O menor ficou à mercê da marginalidade”, avaliou ele.
O papel da igreja evangélica no processo de ressocialização dos menores infratores é imprescindível. As instituições que trabalham nessa área reconhecem que “quem mais tira jovens da marginalidade é a igreja evangélica”, disse Medeiros. Mas, para ele, a igreja ainda pode melhorar sua participação se envolvendo nas políticas públicas, conselhos municipais e mesmo realizando ações e atos públicos dirigidos a esse resgate de cidadania.
O pastor João Maria Medeiros acredita na ressocialização dos menores infratores. Desde que houvesse “locais onde o menor infrator pudesse ter sua terapia, se sentir valorizado, aprender uma profissão, freqüentar a escola”, concluiu.
A evangélica Geysa Costa é agente especial da Polícia Civil trabalhando no Conen (Conselho Estadual de Entorpecentes). O Conen, que é coordenado hoje pela delegada Dra. Renata Cunha, é responsável pelo desenvolvimento de toda política estadual anti-drogas, inclusive na fiscalização e repressão ao consumo de entorpecentes.
Para ela o aumento das taxas de criminalidade infanto-juvenil relaciona-se ao uso abusivo de drogas. “Para cumprir o vício, os menores acabam se marginalizando, independente da classe social a que pertençam”, disse ela. Dessa maneira, a redução da maioridade penal não é uma solução viável para reduzir os índices de criminalidade. “Porque a questão se liga a uma estrutura maior, mais abrangente, não pode ser tratada só por força da lei”, acredita Geysa. Concordando com o Pr. João Maria, ela defende que investir em educação é uma melhor solução e mais duradoura. “A mudança da lei só teria resultado se fosse acompanhada por uma ação social mais ampla”, defende.
Nesse sentido, o Conen está propondo em 2004 ao Governo Estadual a inclusão da disciplina “Prevenção ao uso abusivo de drogas” no currículo das escolas públicas e particulares do Rio Grande do Norte.
Geysa destaca como instituições que desempenham melhor as tarefas de reedução e ressocialização de menores infratores no RN o CRIAD (Centro de Referência e Apoio à Criança e ao Adolescente Usuário de Drogas) e o Amor Exigente, ambos ligados à Vara da Infância e do Adolescente.
Mas ela acredita que é preciso se criar com urgência uma casa abrigo para acolher crianças que tenha cometido algum tipo de delito, especialmente as que ainda não foram levadas à justiça. “Ali elas seriam tratadas por uma equipe multidisciplinar, não apenas por nove meses, e lhes seria garantida uma ocupação em que possam receber remuneração ao sair da instituição”, defende.
Como ficou claro no debate, a questão, mesmo polêmica, é bem mais abrangente do que qualquer dos projetos que têm sido expostos na mídia parece fazer crer. A resolução de problemas como a criminalidade juvenil no Brasil passa por uma discussão ampla de toda a sociedade e pelo solucionamento de todos os aspectos relacionados à enorme desigualdade e à dívida social que a nação tem legado às novas gerações.