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28.9.04
19.1.04
Entrevista
Senador Magno Malta
Senador pelo Partido Liberal (PL) do Espírito Santo, Magno Malta é um personagem visível no cenário nacional. Evangélico, foi relator do projeto que reformou o Novo Código Civil e acabou com a equiparação das igrejas com associações. Mas a sua atuação mais marcante foi como presidente da CPI do Narcotráfico. Na semana passada esteve em Natal, e concedeu a seguinte entrevista ao Jornal União:
Jornal União: Seu partido é da base do atual governo federal. Como o senhor avalia o primeiro ano do governo Lula?
Magno Malta: Bom, muito bom. Lula pegou um carro a 300 quilômetros por hora, e carro a essa velocidade você não põe o pé no freio dele, senão vira. Então, ele tratou com muito cuidado de diminuir o Risco Brasil, fortaleceu o país no exterior, estabilizou o dólar, calou definitivamente a inflação e com isso criou algumas retrações, é claro. Na verdade Lula viveu em 2003 o exercício do orçamento de 2002, do governo Fernando Henrique Cardoso. Na verdade, as adversidades que foram imputadas ao governo Lula se fazem exatamente para poder fazer discurso de oposição. Mas, na verdade, de um a dez, eu diria que o governo foi oito.
Jornal União: No meio evangélico se comentava, há alguns anos, que Lula, devido ao seu discurso socialista, se fosse eleito iria perseguir as igrejas. Mas agora ele chegou ao poder e sancionou as mudanças no Novo Código Civil, que beneficiam as igrejas. O que o senhor acha disso?
Magno Malta: Acho que foi uma tremenda ignorância, uma tremenda besteira. O cara prega que nós estamos debaixo da mão de Deus, que tem poder. Que a Igreja é a noiva do Senhor Jesus e ninguém toca nela, depois tem medo de Lula? Que conversa é essa? Os romanos tentaram de fato essa medida, quando mataram os cristãos, jogaram no arena, o caramba a quatro e não calaram a igreja. Hitler não calou a Igreja. O comunismo não calou a Igreja. Lula é que ia calar? Eu não sou PT, mas já teve experiência do PT, exercendo o poder em prefeituras, e ninguém nunca foi lá fechar igrejas. Muito pelo contrário. Há muitos prefeitos por aí multando igrejas que não são de partidos de esquerda. No meu estado mesmo o prefeito é do PSDB e vive multando as igrejas. Isso por causa da chamada lei de silêncio. Mas usaram essas coisas na campanha contra o Lula. Espalharam um CD por aí, absurdo e mentiroso, feito por um Deputado Estadual que diz que é pastor. Mas quem tem compromisso com Deus não faz isso. Não difama ninguém, não mente para as pessoas para tirar proveito disso. Foi uma mentira que fizeram contra o Lula. Na verdade, disseram que a lei do silêncio ia calar as igrejas, mas isso nem existe. Pois, isso foi uma emenda no Senado que o Fernando Henrique vetou. Nem existe isso, tá certo? E aprouve Deus, até para ensinar para essas pessoas que quem cuida da Igreja é Ele, que o Lula fosse o sujeito que sancionasse a nova medida que mudou o Código Civil no sentido de garantir a liberdade das igrejas. Foi o que o Lula falou no discurso dele, quando foi sancionar a lei, dizendo que não sabia se era por destino ou vontade de Deus, mas ele estava sancionando a liberdade das igrejas para provar àqueles que espalharam pelo Brasil que iria fechar as igrejas. Ele disse que essas pessoas deviam um pedido de perdão não a ele, mas a Deus e às suas consciências. Infelizmente, em nosso meio, existem pessoas para tirar proveito político com informações mentirosas e contra-informações. Provam de fato, uma falta de conhecimento, não é? E se nós olharmos no campo espiritual, quem é Lula para parar a Igreja? Não é ninguém.
Jornal União: O senhor foi o relator do projeto que acabou com a obrigatoriedade das igrejas se tornarem associações, aprovado em Dezembro. Qual a importância disso para as igrejas evangélicas do Brasil?
Magno Malta: Não só evangélicas, como qualquer entidade religiosa. O nosso país, o Brasil, é um país laico. O Brasil não tem religião oficial. Aqui nós temos liberdade de culto garantida pela Constituição Federal, em qualquer lugar, seja praça pública ou não. Em sendo assim, nós temos liberdade enquanto entidade religiosa, temos estatutos e regulamentos próprios, sem que a mão do Estado esteja sobre a Igreja, pois não há mais religião oficial. Então, o Novo Código Civil tratava a Igreja como um Clube de futebol, uma associação qualquer, e o indivíduo que a ela pertence não é membro, mas é sócio, correto? E aí, as ofertas, por exemplo, a partir de 10 de Janeiro agora, se nós não tivéssemos feito essa emenda que derrubou essa medida do Código Civil, teriam que ser depositadas no banco - e não poderiam ser dadas na igreja- senão ia caracterizar caixa dois. O dízimo tinha que ir para o depósito lá. O sujeito que se desligasse da associação poderia ir na justiça e requerer o seu dízimo de volta. Agora você imagine o Ministério Público em cima da Igreja. O Estado em cima da Igreja. Nós perderíamos todas essas garantias que nos são dadas pela Constituição Federal. Mais que isso: do ponto de vista espiritual não há a menor condição que haja envolvimento ou intervenção do Estado sobre a Igreja. Então, eu reputo que a mudança no Código Civil , que atormentou durante um ano as igrejas e colocou as entidades religiosas desesperadas no país, tenha sido a maior vitória da Igreja no ano de 2003.
Jornal União:Algumas pessoas disseram que esse projeto só foi aprovado por que ele também incluía os partidos políticos, que deixaram de ser, também, equiparados às associações. O que o senhor acha disso?
Magno Malta: Claro, a vida é feita com estratégias, não é assim? Então, foi a estratégia que nós encontramos. Incluir os partidos políticos, para poder aprovar essa mudança com a velocidade que aprovamos. Isso foi feito de forma consciente.
Jornal União: No dia da posse do Presidente Lula, o senhor foi filmado o abraçando e falando com ele, por longo tempo. O que o senhor estava dizendo para ele?
Magno Malta: Foi um cochicho, e cochicho não se comenta (risos). É melhor nunca falar desse cochicho, senão as pessoas perdem a curiosidade. Mas, não tenha dúvida de que falamos de coisas concernentes a crime organizado, a violência no país, e eu dava ao Presidente da República, naquele momento, uma palavra de Deus no sentido de que Deus o havia ungido Presidente do Brasil. Ele realmente não entende o que é isso. Eu, então lhe disse: não precisa entender, só precisa agir como está agindo. Na verdade, a ação do Lula de combate à fome e à miséria, é uma ação sacerdotal de alguém que quer estender a mão aos menos favorecidos. Num país tão rico como o nosso, uma miséria tão grande como a que temos, sem dúvida nenhuma envergonha a todos nós. Acho que Lula é um instrumento de Deus e foi em torno dessas questões que nós cochichamos aqueles três minutos, no dia da posse dele.
Jornal União: O número de evangélicos no Brasil tem crescido muito. O senhor acha que o evangélico deve votar em outro evangélico, necessariamente?
Magno Malta: Eu acho que não. Essa história de que irmão vota em irmão é mentira. Isso foi uma idéia furada que inventaram, coisa de pilantra, para poder se eleger com voto evangélico. Eu acho que o irmão tem um privilégio comigo. É de ser avaliado primeiro. Eu não posso avaliar o outro, antes de avaliar o meu irmão. Mas eu não tenho compromisso de votar nele. Ninguém, no meu estado, tem compromisso de votar em mim. Mas tem obrigação de me dar oportunidade primeiro, de me avaliar primeiro. Tem que ser avaliado o interesse do candidato pelas lutas da sociedade, pelos interesses e sofrimentos da sociedade, o engajamento com as lutas da sociedade. Se esse sujeito tem ou não bandeira. Se ele vem lutando por essa bandeira, e se tem compromisso com a família dele. Pois em primeiro lugar vem a família, depois a Igreja. Você tem que ver se esse cara tem compromisso com a Igreja dele, enquanto evangélico. Se esse cara tem testemunho, se ele é dizimista, se está debaixo da autoridade pastoral. Você tem que ver uma série de coisa para poder ver se pode confiar nessa pessoa. Quando a eleição chega todo mundo é evangélico. Tem gente que vota num irmão para a igreja não pagar mais IPTU. Tá certo isso? Igreja sou eu. O prédio é o prédio. No dia que você tirar o IPTU do prédio vai aumentar o do vizinho. É normal isso? Então essas conversas bobas de que temos que eleger irmão, pois o irmão vai arrumar palanque para poder fazer evento, vai arrumar ônibus para os jovens viajarem. Esse tipo de comportamento inconseqüente e até imoral, tem que acabar. Esse tipo de visão não tem que existir. Enquanto cidadão, o cristão tem que se comportar de maneira tão significativa, que o espírita, o macumbeiro e o ateu tem que olhar para ele e achar que ele, enquanto cidadão, é digno do seu voto, independente de ele ser evangélico, ou não, tá certo? Ele precisa exercer vida pública para todos. Você não é eleito para representar e lutar apenas por um segmento. Eu não gosto dessa história de bancada evangélica. Pois, amanhã vai ter bancada espírita, católica e ateísta. Então nós iremos fazer uma guerra religiosa nesse país? Eu acho que deve ter bancada de homens e mulheres de bem, honrados e que tenham vergonha na cara.
Jornal União: Por que o senhor propõe a redução da maioridade penal?
Magno Malta: Eu sou a favor da redução da maioridade penal para treze anos. A minha proposta é essa. Eu acho que nós vivemos muita hipocrisia nesse país. E acho que o homem que está no Poder Legislativo pode e deve produzir leis, e fazer a fiscalização. Essa redução da maioridade penal, faz parte de uma série de medidas para conter a violência no país. Na verdade, quando na minha Proposta de mudança constitucional, PEC, eu propus a redução para treze anos, que leva o nome da Liana Friedenbach, menina que foi assassinada em São Paulo, eu estava querendo suscitar a discussão no país. Conseguí isso, e pesquisas vieram informando que 88 % são a favor da redução, outra dá 92%. Isso por que a lei brasileira hoje não educa e não é pedagógica. A lei brasileira só protege a quem comente o crime. Como isso acontece? A gente, quando tem uma criança, você mostra para ela o fogo e fala: ó meu filho, isso aqui é o fogo. Se você colocar a sua mão aqui, queima. Você vai ficar com a mãozinha queimada, aleijada e vai tomar injeção. Você vai ter que ir para o médico, e ficar no hospital. Meu filho, não ponha a mão aqui não. Dessa forma, você está ensinando. Mas a lei brasileira não diz isso não. Sabe o que ela diz? Ponha a mão no fogo, se queimar até os dezessete anos eu pago tudo, eu me responsabilizo, eu te protejo, eu tomo conta de sua mão queimada. Até dezessete anos pode queimar a mão, que eu resolvo para você. Depois eu não faço mais não, mas até agora você queima, tá certo? Não. A lei tem que impor limites. A lei tem que ser pedagógica. O que nós estamos dizendo? Quando eu propus os treze foi para produzir a discussão. Na verdade, a minha justificativa na lei diz o seguinte: qualquer brasileiro, de dezoito anos para baixo, que cometer crime hediondo, que perca sua menoridade, seja colocado na maioridade para pagar as penas da lei. Pronto! Se o menino de oito anos estuprar, é problema dele. Vai ter que pagar pelo estupro dele. Duvido muito que um menino de oito anos vá estuprar alguém. Mas se estuprar, tudo bem. Se um menino de doze anos entrar entrar num banco e fizer seqüestro seguido de morte, é problema dele, tá certo? É o que a Bíblia diz : “alegra-te jovem na tua mocidade e faça tudo que quiser fazer. Mas saiba, porém, que um dia vão te pedir em conta”, correto? Então, deixe o jovem do jeito que está. Deixe. Não mexe. É dezessete, é dezesseis, quinze, doze. Deixa tudo igual. Agora, diga a ele: olha, se você cometer crime hediondo, você perde sua menoridade. Você vai ensinar seu filho assim. O seu neto você vai ensinar e na escola ele vai aprender que não pode atentar contra a honra e contra a integridade física de ninguém, tá certo? Porque, se isso ocorrer, ele vai perder a menoridade e será colocado na maioridade penal. Agora, os que são contra a medida dizem que não dá para colocar esses meninos nesses presídios que estão aí. Vai virar um bandido pior ainda. Tá corretíssimo. Mas agora não é problema meu. É problema do governo federal. Na verdade, nós temos que, junto com essa medida, discutir o problema prisional e penal do Brasil. Precisamos construir presídios onde o sujeito possa pagar sua dívida com dignidade. O que nós temos hoje são depósitos de seres humanos. Numa cela de quatro por quatro, fica quinze, vinte pessoas, para comer o marmitex em cima do vaso sanitário. Isso é tratamento para bicho. Nós temos que produzir presídios onde o indivíduo possa trabalhar, estudar e que já entre sabendo que terá que ressarcir o Estado, e que vá trabalhar para indenizar a família da vítima. Deveria terceirizar os presídios. Eles deveriam pagar sua pena com trabalho. Isso para meninos de quinze e homens de vinte, trinta, quarenta, cinquenta anos. O que não podemos é usar esse argumento de que não temos presídio para proteger um maior de dezessete anos de idade, que mete um ferro na cabeça de um cidadão de bem, chama ele de vagabundo, leva ele na casa dele, estupra sua mulher na frente dele, depois sai e a polícia põe a mão nele, e ele diz: tire a mão de mim que eu sou menor. Que história é essa? Onde nós estamos vivendo? Nós somos os fomentadores da violência nesse país. Nós vivemos uma hipocrisia muito grande. Quem mata com dezessete anos, mata com dezesseis. Quem estupra com dezessete, estupra com dezesseis. O menino com dezesseis anos de idade, faz filho, estupra e mata do mesmo jeito. Vou propor que um menino de dezesseis anos possa tirar carteira de habilitação. Ele não pode votar aos dezesseis? Quero discutir isso com o Brasil, agora. Mas, sou plenamente a favor de que qualquer brasileiro que cometer crime hediondo com menos de dezoito anos de idade, não importa a idade, que pague pelo crime cometido.
Jornal União: Algumas pessoas dizem que essa redução da maioridade penal, ao invés de resolver o problema iria encobrí- lo. Pois esse problema é de raíz social, gerado pela própria sociedade. Por que não melhorar a sociedade, com eduçação e saúde de qualidade para todos, ao invés de reduzir a maioridade penal?
Magno Malta: Essas pessoas que dizem isso precisam dizer como elas estão agindo na sociedade. Precisa saber primeiro o que elas fazem. Pois, eu, quando falo disso, estou há 25 anos tirando gente da rua. Recuperando gente. Você tem que ter autoridade do que você faz. Então, quando o cara discute esse assunto ele tem que primeiro dizer o que ele faz. De conversa fiada eu estou cheio.
Criminosos comuns ou menores infratores?
Projetos para redução da maioridade penal dividem opiniões e suscitam discussões entre especialistas
Um dos temas mais controversos na pauta da discussão nacional no momento é a redução da maioridade penal. A PEC (Proposta de Emenda Constitucional) apelidada de Liana Friedenbach (adolescente morta com o namorado em novembro por um outro adolescente de dezesseis anos) tramita no Congresso Nacional e objetiva reduzir a maioridade para doze anos no caso de crimes hediondos.
O projeto polêmico é de autoria do senador evangélico Magno Malta (PL/ES) (veja seção “Diálogos” desta edição) e não é o único a tratar do tema. O Legislativo Federal espera ter resultados sobre a discussão do tema até o meio deste ano.
Desde que o debate se reacendeu, as opiniões que vêm sendo expressas são extremamente divergentes. Do lado dos favoráveis à redução da maioridade penal encontram-se personalidades como o cardeal arcebispo de Aparecida do Norte (SP), D. Aloísio Lorscheider, o presidente do Senado, José Sarney, e o presidente do Tribunal Superior do Trabalho, ministro Francisco Fausto.
No pólo oposto estão o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, o ministro da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, Nilmário Miranda, e a Defensora-Geral da União, Anne Elizabeth Nunes.
Mas, certamente, o crítico mais importante dos projetos de redução da maioridade penal é o próprio Presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva. No entendimento do Presidente, a sociedade tem uma enorme dívida social com a juventude. "Até entendo que um pai e uma mãe machucados com a morte brutal de uma filha possam reagir emocionalmente. Todos que estamos aqui poderemos reagir emocionalmente e querer vingança, se acontecer algo com um filho, um parente ou conhecido próximo. Agora, o Estado, não. Não pode reagir emocionalmente. O Estado, através de suas instituições, tem de fazer justiça e precisa julgar sem nenhuma paixão, porque, senão, continuaremos a cometer erros neste País", disse Lula. E ele criticou também os que pedem a adoção da pena de morte no Brasil. "Será que as pessoas pediram pena de morte para os policiais que praticaram a chacina da Candelária, será que as pessoas pedem pena abrupta quando um adulto que estupra uma menina ou quando faz sexo com uma menina nesses bordéis da noite espalhados pelo País, tirando proveito da situação financeira delas?", questionou.
O pastor João Maria Medeiros, diretor do Orfanato Lírio do Vale, que atende menores em situações de risco, é favorável à redução da maioridade penal até os dezesseis anos, já que jovens com essa idade já possuem o direito facultativo de voto. “Mas acreditar que isso vai resolver o problema da criminalidade é perder tempo”, disse ele.
Para o pastor, o único meio de se reduzir a criminalidade juvenil é investir em educação. “O nosso sistema educacional foi sucateado e falido nos últimos vinte anos para fortalecer o setor privado. O menor ficou à mercê da marginalidade”, avaliou ele.
O papel da igreja evangélica no processo de ressocialização dos menores infratores é imprescindível. As instituições que trabalham nessa área reconhecem que “quem mais tira jovens da marginalidade é a igreja evangélica”, disse Medeiros. Mas, para ele, a igreja ainda pode melhorar sua participação se envolvendo nas políticas públicas, conselhos municipais e mesmo realizando ações e atos públicos dirigidos a esse resgate de cidadania.
O pastor João Maria Medeiros acredita na ressocialização dos menores infratores. Desde que houvesse “locais onde o menor infrator pudesse ter sua terapia, se sentir valorizado, aprender uma profissão, freqüentar a escola”, concluiu.
A evangélica Geysa Costa é agente especial da Polícia Civil trabalhando no Conen (Conselho Estadual de Entorpecentes). O Conen, que é coordenado hoje pela delegada Dra. Renata Cunha, é responsável pelo desenvolvimento de toda política estadual anti-drogas, inclusive na fiscalização e repressão ao consumo de entorpecentes.
Para ela o aumento das taxas de criminalidade infanto-juvenil relaciona-se ao uso abusivo de drogas. “Para cumprir o vício, os menores acabam se marginalizando, independente da classe social a que pertençam”, disse ela. Dessa maneira, a redução da maioridade penal não é uma solução viável para reduzir os índices de criminalidade. “Porque a questão se liga a uma estrutura maior, mais abrangente, não pode ser tratada só por força da lei”, acredita Geysa. Concordando com o Pr. João Maria, ela defende que investir em educação é uma melhor solução e mais duradoura. “A mudança da lei só teria resultado se fosse acompanhada por uma ação social mais ampla”, defende.
Nesse sentido, o Conen está propondo em 2004 ao Governo Estadual a inclusão da disciplina “Prevenção ao uso abusivo de drogas” no currículo das escolas públicas e particulares do Rio Grande do Norte.
Geysa destaca como instituições que desempenham melhor as tarefas de reedução e ressocialização de menores infratores no RN o CRIAD (Centro de Referência e Apoio à Criança e ao Adolescente Usuário de Drogas) e o Amor Exigente, ambos ligados à Vara da Infância e do Adolescente.
Mas ela acredita que é preciso se criar com urgência uma casa abrigo para acolher crianças que tenha cometido algum tipo de delito, especialmente as que ainda não foram levadas à justiça. “Ali elas seriam tratadas por uma equipe multidisciplinar, não apenas por nove meses, e lhes seria garantida uma ocupação em que possam receber remuneração ao sair da instituição”, defende.
Como ficou claro no debate, a questão, mesmo polêmica, é bem mais abrangente do que qualquer dos projetos que têm sido expostos na mídia parece fazer crer. A resolução de problemas como a criminalidade juvenil no Brasil passa por uma discussão ampla de toda a sociedade e pelo solucionamento de todos os aspectos relacionados à enorme desigualdade e à dívida social que a nação tem legado às novas gerações.
Redução da maioridade penal
Delinqüência juvenil se resolve aumentando oportunidades
e não reduzindo idade penal
Com a justificativa de que “a medida já é adotada no mundo inteiro” e de que os menores “são utilizados pelo crime organizado para acobertar as suas ações”, o Congresso Nacional discute no momento a alteração da menoridade penal, retirando a previsão de inimputabilidade para menores de 18 anos e delegando a questão à lei específica que estabeleça um novo limite etário, que leve em conta “os aspectos psicossociais do agente”. O deputado e ex-coronel Alberto Fraga vai ainda mais longe e sugere que a idade limite deva ser fixada aos 11 anos de idade. Não está longe o dia em que algum parlamentar, preocupado com a delinqüência juvenil, proporá emenda sugerindo a internação imediata de todos os recém nascidos de famílias pobres, cuja soltura eventual ficará condicionada ao exame de suas características psicossocias.
O argumento da universalidade da punição legal aos menores de 18 anos, além de precário como justificativa, é empiricamente falso. Dados da ONU, que realiza a cada quatro anos a pesquisa Crime Trends (Tendências do Crime), revelam que são minoria os países que definem o adulto como pessoa menor de 18 anos e que a maior parte destes é composta por países que não asseguram os direitos básicos da cidadania aos seus jovens.
Das 57 legislações analisadas, apenas 17% adotam idade menor do que 18 anos como critério para a definição legal de adulto: Bermudas, Chipre, Estados Unidos, Grécia, Haiti, Índia, Inglaterra, Marrocos, Nicarágua, São Vicente e Granadas. Alemanha e Espanha elevaram recentemente para 18 a idade penal e a primeira criou ainda um sistema especial para julgar os jovens na faixa de 18 a 21 anos.
Com exceção de Estados Unidos e Inglaterra, todos os demais são considerados pela ONU como países de médio ou baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o que torna a punição de jovens infratores ainda mais problemática. Enquanto nos EUA e Inglaterra a juventude tem assegurada condições mínimas de saúde, alimentação e educação, nos demais países – como o Brasil – isto está longe de acontecer. Nos países desenvolvidos pode fazer algum sentido argumentar que a sociedade deu aos jovens o mínimo necessário e, com base nesse pressuposto, responsabilizar individualmente os que transgridem a lei. Por outro lado, na Nicarágua, Índia ou no Brasil, este pressuposto é totalmente falso: em todo o país, apenas 3,96% dos adolescentes que cumprem medida sócio-educativa concluíram o ensino fundamental. É imoral querer equiparar a legislação penal juvenil brasileira à inglesa ou norte-americana - esquecendo-se da qualidade de vida que os jovens desfrutam naqueles países. Que o Estado assegure primeiro as mesmas condições e depois, quiçá, terá alguma moral para falar em responsabilidade individual e alterar a lei.
Não se argumente que o problema da delinqüência juvenil aqui é mais grave que alhures e que por isso a punição deve ser mais rigorosa: tomando 55 países da pesquisa da ONU como base, na média os jovens representam 11,6% do total de infratores, enquanto no Brasil a participação dos jovens na criminalidade está em torno de 10%. Portanto, dentro dos padrões internacionais e abaixo mesmo do que se deveria esperar, em virtude das carências generalizadas dos jovens brasileiros. No Japão, onde tem tudo, os jovens representam 42,6% dos infratores e ainda assim a idade penal é de 20 anos. Se o Brasil chama a atenção por algum motivo é pela enorme proporção de jovens vítimas de crimes e não pela de infratores.
É típico da estrutura do pensamento conservador argumentar em abstrato e jogar a discussão para o plano da responsabilidade individual, como se as pessoas e suas “características psicossociais” pairassem no vácuo. Uma análise superficial da origem dos infratores é suficiente para mostrar como “responsabilidade” e “moralidade” estão longe de ser atributos distribuídos aleatoriamente pela sociedade.
A Secretaria de Desenvolvimento e Bem Estar Social, que administra a Febem, divulgou recentemente um estudo sobre os bairros de origem dos internos da instituição. Não por acaso, existe uma elevada correlação com os bairros mais violentos de São Paulo: Sapopemba, Capão Redondo, Jardim São Luis, Grajaú, Cidade Ademar, Brasilândia e Jardim Ângela foram os bairros com maior número absoluto de homicídios entre 1996 e 1999. Cerca de ¼ dos internos da Febem paulista residiam precisamente nestes locais. Existe uma estreita correspondência entre o número de homicídios nos 96 bairros da Capital e o número de internos na Febem, por bairro.
Isto significa que estes jovens cresceram em contextos extremamente violentos, criados na periferia de uma das cidades mais violentas do planeta. Diante desta forte associação entre delinqüência e contexto de socialização, como argumentar que se tratou de uma “opção” pela marginalidade e querer responsabilizar individualmente o adolescente por “decidir” delinqüir?
Rebaixar a idade penal para que os indivíduos com menos de 18 não sejam utilizados pelo crime organizado equivale a jogar no mundo do crime jovens cada vez menores: adote-se o critério de 16 e os traficantes recrutarão os de 15, reduza-se para 11 e na manhã seguinte os de 10 serão aliciados como soldados do tráfico.
A idéia de que a medida tem um impacto intimidatório e que contribuiria para diminuir a criminalidade não se sustenta, pois a cadeia já se demonstrou punição insuficiente para refrear aos adultos. Ao contrário, a experiência precoce na cadeia contribuirá para aumentar ainda mais a criminalidade uma vez que a taxa de reincidência no sistema carcerário é superior a taxa nas instituições juvenis:
Em resumo, além de imorais numa sociedade excludente como a brasileira, os argumentos da universalidade do rebaixamento e de que a medida contribuiria para reduzir a criminalidade ou o crime organizado são equivocados. Responsabilizar diferentemente um jovem de 17 e outro de 18 anos por atos idênticos é uma opção de política criminal adotada na maioria dos paises desenvolvidos, que procuram oferecer oportunidades diferenciadas para que o jovem supere o envolvimento com o crime. Não se trata de sua capacidade de entendimento e sim da inconveniência de submetê-los ao mesmo sistema reservado aos adultos, comprovadamente falido. Baixar a idade penal é baixar um degrau no processo civilizatório. Ao invés disso, propomos aumentar as oportunidades que a sociedade brasileira raramente concede aos seus jovens.
Tulio Kahn, 35, é doutor em ciência política pela USP e coordenador de pesquisa do Ilanud – Instituto Latino Americano das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e o Tratamento do Delinqüente
15.12.03
O Evangelho e a última fronteira da comunicação
Como as igrejas podem evangelizar na Internet
O mundo atual tem experimentado um novo momento de migração em massa, de expansão de fronteiras. Não se trata, no entanto, de nenhuma conquista de territórios físicos. Pelo contrário, a expansão contemporânea ocorre no mais virtual dos ambientes: a Internet.
Os desafios evangelísticos que a Internet promove se assemelham àqueles que estão na origem do protestantismo trazido ao Brasil pelos norte-americanos no século XIX. O nascimento daquele tipo de protestantismo se deu nas fronteiras da expansão do Oeste americano, uma bárbara terra de ninguém com intenso fluxo migratório. Um tempo de expansão de fronteiras e forte migração se traduz por confusão e busca de equilíbrio social.
O ciberespaço é parecido. A cada dia, milhões de pessoas desterritorializadas se conectam à Grande Rede, com ou sem objetivos definidos. Esses migrantes vão à busca de informação, de diversão, de entretenimento, ou de coisa alguma em especial. Vazios, muitos deles precisam de socorro espiritual. E se tornam presas fáceis de religiosidades, filosofias, sexo cibernético. Como a Igreja evangélica deve se posicionar frente a isso?
O pastor Kleber Nobre de Queiroz há cerca de três anos publica sermões na Internet, especialmente no portal Bibliaworld (www.bibliaworldnet.com.br). Ele acredita que a Internet, como qualquer meio de comunicação, é neutra. “Terá a utilidade e a finalidade que dermos a ela. Com a Internet abriu-se uma nova fronteira de comunicação. A Igreja pode se servir dela para comunicar sua mensagem”, afirmou.
Na sua experiência “pregando” na Internet, o pastor Kleber já pôde ver muita gente ser abençoada. “Recebi um e-mail de um homem na Espanha que estava desviado e dizia como uma mensagem havia tocado seu coração”, disse.
A gaúcha Queila da Rosa, 22 anos, mantém há cinco meses o “blog” Vida com Jesus (www.vidacomjesus.blogger.com.br). Membro da Igreja Batista de Ijuí (RS), Queila diz que antigamente acreditava que os sites e blogs evangélicos eram acessados apenas por cristãos. Depois passou a perceber o seu papel evangelístico. “Precisamos definir os alvos, entender quem é nosso público, e então agirmos”, disse ela. “Muitas pessoas me escrevem, contando que foram abençoadas através dos textos escritos no blog”, confessando que o principal propósito é a edificação dos cristãos. “Algumas vezes, escrevo o texto para os crentes e depois faço o 'gancho' para aqueles que ainda não conhecem a Jesus”, disse. “Um moço me mandou um e-mail, pedindo que eu falasse sobre minha vida, minha experiência com Deus. Falei do amor de Deus, do quanto Jesus fez naquele cruz por nós. A resposta dele? ‘Valeu pela resposta, eu estive pensando no que você disse...realmente, o cara fez muito pela gente e nem reconhecemos’. Fiquei radiante! É prova de que, não importa o meio, a mensagem de Deus tem sido sim levada aos corações através da Internet”, concluiu.
Para o pastor Kleber, a melhor maneira que a Igreja tem de prestar assistência espiritual às milhares de pessoas que navegam à toa pela Rede é a criação de comunidades virtuais de orientação cristã. “A criação de grupos de discussão e chats no mundo virtual podem criar o sentido de comunidade que falta a muita gente atualmente”, defendeu.
A Internet está aí e está moldando fortemente a nossa sociedade contemporânea. É, certamente, um campo já branco para a ceifa. Este é o momento de a Igreja ir até essa última fronteira levando o Evangelho de Cristo.
Conheça alguns sites evangélicos
Muitas igrejas e ministérios têm disponibilizado “sites” com conteúdo evangelístico na Internet. Uma das páginas pioneiras e mais conhecidas foi o Bibliaworld (www.bibliaworldnet.com.br), alocado no portal do UOL. Além de mensagens, o “site” trás notícias, “chats” e muito mais.
Outro desses “sites” nacionais é o E-Jesus (www.ejesus.com.br). Semelhante ao pioneiro Bibliaworld, publica textos e trabalhos de líderes evangélicos de todo o país.
Na cola do sucesso do ministério Diante do Trono, o site da Igreja Batista da Lagoinha (www.lagoinha.com) talvez seja a “home page” de igreja no Brasil mais completa na Rede. E é visitada por gente de toda parte e denominação.
Em Natal, muitas igrejas têm investido na evangelização pela Internet. Destacam-se “sites” como os da Assembléia de Deus de Candelária (www.adcandel.com.br), da Igreja Batista Viva (www.igrejaviva.net), da Igreja Presbiteriana Independente (www.1ipin.com.br) e o da Igreja do Nazareno (www.nazarenonatal.com.br).
Os “sites” pessoais e, ultimamente, os “blogs” também têm sido instrumentos de evangelização no ciberespaço. O pastor Caio Fábio mantém sua página pessoal no ar em que continua transmitindo o evangelho (www.caiofabio.com). E muitos blogueiros evangélicos têm aproveitado a nova mídia para falar de Jesus.
Os “blogs” são espécies de diários pessoais gratuitos publicados na Internet. Somente no Brasil estimasse que existam pelo menos 250 mil blogs que tratam de diversos assuntos. Entre eles, o Evangelho. São exemplos de blogs assim o Impressões Digitais (www.idigitais.blogger.com.br), o Jesus Freak (www.poderosodeus.weblogger.terra.com.br) e o Vida com Jesus (www.vidacomjesus.blogger.com.br).
Queila Cristina Bandeira de Azevedo tem 20 anos e geralmente procura músicas evangélicas na Internet. Ela considera que os sites que estão no ar hoje são de boa qualidade. No entanto, revela dificuldade em satisfazer suas necessidades por coisas relativas à música e dança. Líder de um ministério de coreografia, Queila reclama que na maioria dos sites de música só se encontram cifras e notícias sobre artistas. “Do que eu procuro, não consigo quase nada”, disse.
Para o pastor Kleber Nobre de Queiroz existem bons sites evangélicos no Brasil, como o Bibliaworld e o E-Jesus. Ele diz que geralmente busca notícias e estudos bíblicos e se sente satisfeito. “Os sites que eu acesso atendem bem às minhas expectativas: têm debates, notícias, músicas. Enfim, são ecléticos”, concluiu.
10.12.03
Dez anos de intensas trevas
Há 35 anos era promulgado o AI-5
O ano era 1968. Época de fortes mobilizações sociais em inúmeros países que chegaram ao Brasil na forma de protestos contra o Regime Militar. Eventos como a Passeata dos Cem Mil, os festivais da canção, o movimento estudantil pressionavam o governo. A sociedade queria maiores liberdades democráticas.
Tais fatos fizeram a linha-dura do Regime acreditar que a “Revolução” estava se perdendo. E gerou uma reação, o Ato Institucional número 5. A gota d´água para a promulgação do AI-5 foi o pronunciamento do deputado Márcio Moreira Alves na Câmara Federal, no início de setembro, apelando para que o povo não participasse dos desfiles militares de 7 de setembro.
O governo solicitou ao Congresso licença para processar o deputado e também seu colega Hermano Alves, autor de uma série de artigos de oposição à Ditadura. Em 12 de dezembro a Câmara recusou por uma diferença de 75 votos, inclusive de deputados da governista Arena, conceder a licença para o processo dos dois deputados. Na noite seguinte, foi baixado o Ato e decretado recesso do Congresso Nacional por tempo indeterminado.
Com o AI-5, o presidente da República tinha poderes totais para perseguir e reprimir as oposições, decretar estado de sítio, intervir em Estados e municípios, cassar mandatos e suspender direitos políticos. O Governo cassou 110 deputados federais, 160 estaduais, 163 vereadores, 22 prefeitos e afastou quatro ministros do Supremo Tribunal Federal. O AI-5 só foi revogado em 1979, no governo do general Ernesto Geisel.
Para o ministro anglicano Jorge Luiz Freire de Aquino, integrante do Centro de Direitos Humanos e Memória Popular (CDHMP), os dez anos de vigência do AI-5 foram um período “em que aquilo que a Bíblia chama de trevas reinou nesse país com o cerceamento completo da opinião. Foram dez anos em que a autoridade se considerou um César, divina, inquestionável. Dez anos de arbítrio, de tortura, de morte, de trevas”.
Segundo ele, o papel da igreja evangélica mudou muito naquele período. “Havia uma igreja antes do Golpe e surgiu outra depois”, disse. Antes de 1964, a Igreja tinha razoável unidade, desenvolvimento teológico e estava ligada às questões políticas do país. “Era uma igreja aberta que depois do Golpe se tornou uma igreja reativa, teologicamente conservadora, voltada para dentro e oportunista”, disse Aquino, referindo-se às vigílias de agradecimento a Deus pelo Golpe e aos Cultos de Ação de Graças no Maracanã, comemorando o sucesso da “Revolução”.
O maestro Alberto Florêncio da Hora, membro da Igreja Presbiteriana das Rocas, foi uma das vítimas do AI- 5 no estado. No fim de setembro de 1973 foi preso, passando cerca de dois meses detido. Foram seus endereços de tortura e sofrimento, nesse período, o DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna) de Recife (PE), o Quartel da Polícia do Exército em Olinda (PE) e a Colônia Penal Dr. João Chaves.
Militante do PCR (Partido Comunista Revolucionário), foi preso quando pessoas ligadas a ele também caíram pela Repressão. “Meu pai foi líder de sindicato e aposentado compulsoriamente pelo AI-5. Fui criado dentro dos sindicatos vendo aquela turma incendiária”, disse.
Na época em que foi preso, Alberto era freqüentador da Igreja em que sua esposa era membro. “Desde 66 eu freqüentava a igreja só não era membro”, afirmou. Na sua opinião, o AI-5 “foi uma das grandes violências políticas e institucionais ocorridas no país, talvez tão maior quanto o Estado Novo”.
E o papel da Igreja? “Solidariedade total”. Segundo ele, o pastor e os irmãos procuraram assumir uma postura de defesa e proteção, dele e da família, ainda que não tivessem condições de fazer muita coisa.
Essa é uma atitude que difere do que ocorria costumeiramente. Em tempos de AI-5 muitos membros politizados de igrejas evangélicas foram delatados às forças da Repressão por irmãos e pelos próprios pastores. O reverendo Jorge Aquino diz que delatar ovelha é entregá-la à boca dos lobos. “Tentar fundamentar isso biblicamente é trair o chamado de Cristo para o pastoreio. Significava angariar capital político para negociar com as autoridades”, disse.
“Tenho amigos que na época de jovens foram entregues para a tortura e morte por pastores que hoje estão na moda, vendem livros e falam para auditórios repletos sobre Batalha Espiritual”, disse Jorge. “Tem gente fazendo sucesso hoje que tem muito sangue nas mãos”, denunciou.
Alberto da Hora acredita que uma postura conivente das igrejas com os abusos da Ditadura deve ter sido produzida por uma certa ingenuidade quanto ao momento e medo da Repressão. “Meu sogro, que era pastor, duvidava que eu tivesse sido torturado”, disse.
Sobre a defesa de uma postura acrítica quanto ao Regime a partir da leitura de textos como Romanos 13, o maestro acredita que a Ditadura estava na contramão do texto. “A gente imagina que o texto se refere a um governo instituído por vias democráticas. Ninguém pediu para os militares se colocarem no poder. Não era um poder legítimo, tinha de ser combatido mesmo”, defendeu.
O maestro afirma trazer ainda seqüelas físicas, emocionais e psicológicas como resultado dos meses de tortura que sofreu. “Não gosto de estar em multidões nem em lugares estranhos. Ainda tenho pesadelos recorrentes à época da prisão”, confessa. Mas ele diz não ter mágoas, apesar de ter passado um período revoltado com os abusos sofridos. “Atualmente a gente reflete que não tem como ter mágoas. A visão que tenho é que aquilo era uma guerra. Luto para que algo assim não ocorra de novo no Brasil ou em qualquer lugar do mundo”, disse.
Da Hora acredita que é importante dizer o que houve naqueles dias negros no Brasil. “As pessoas têm que saber que havia tortura, porque tem gente que acha ainda hoje que isso não existia”, concluiu.
4.12.03
Entrevista com o pastor Wellington Santos
Um dos preletores do Prosseguir 2003, o pastor Wellington Santos causa polêmica por suas posições. Sua caminhada cristã começou aos 14 anos na Comunidade Mariana. Era um católico ligado à Legião de Maria, e aos 15 anos se converteu ao Evangelho, aceitando Jesus na Igreja Batista. Trabalhou no sertão e com comunidades de periferia, o que lhe deu a base para ter os posicionamentos sociais e eclesiásticos que tem hoje. Formou-se no Seminário Teológico Batista do Norte (STBN), e foi ordenado ao pastorado. Tinha 21 anos à época. Casado e com duas filhas, desde 1993 pastoreia a Igreja Batista do Pinheiro, em Maceió (AL). Concedeu esta entrevista a Gustavo Medeiros, repórter do Jornal União.
Jornal União: Os cristãos estão inseridos em uma cultura. Alguns acham que a cultura deve ser totalmente moldada pela Bíblia. O senhor acha que a cultura em si é diabólica?
Pastor Wellington: Agora em setembro eu falei no Fórum Popular de Teologia, em Olinda e, coincidentemente, eu trabalhei a Igreja e a cultura popular. Em agosto nós realizamos um Fórum de teologia, na Igreja do Pinheiro e um dos temas foi a Igreja e a cultura popular. A cultura não é nem divina nem diabólica. A cultura é do homem. A gente tem que acabar esse maniqueísmo: ou é de Deus ou não. Na verdade, para mim, tudo que é do homem é mais de Deus do que do diabo. Toda manifestação do homem é uma manifestação de Deus, pois nós somos imagem e semelhança não de satanás, mas do Senhor. Então, essa é uma primeira questão: a cultura, em princípio, não é uma manifestação nem de Deus nem do diabo. Quando se fala em moldar a cultura conforme o padrão bíblico é uma coisa que me preocupa, pois a Bíblia está inserida numa cultura. Numa cultura judaica, oriental, que não tem nada a ver, por exemplo, com nossa cultura nordestina. Há elementos que são universais da Bíblia, que podem ser utilizados para salgar a cultura. Eu ouvi Ivone Gebara, que é uma das maiores autoridades da teologia católica, que falou na minha igreja, inclusive. Ela defende a tese da mistura. Tudo está muito misturado. Ela disse que nós não podemos sacralizar a cultura e nem demonizá- la. Pois, na cultura, há joio e trigo. O que precisamos fazer então? Precisamos preservar o que é trigo e conseguir tirar o que é joio do âmbito da cultura. Para mim, a igreja evangélica é uma grande ameaça à cultura popular.
Jornal União: Por que o senhor acha que a igreja evangélica é uma grande ameaça à cultura popular?
Pastor Wellington: É muito simples. Mais ou menos na década de 1950 e 60, numa cidade chamada Palmeira dos Índios, cidade do estado de Alagoas, se converteu um sanfoneiro. Então disseram para ele o seguinte: ou Jesus ou a sanfona! Ele abandonou a sanfona. Hoje, no estado de Alagoas, para você achar um sanfoneiro é uma coisa raríssima. Então, é engraçado como a igreja evangélica sabe conviver com um piano, que é europeu, e sabe conviver com guitarra, que é norte- americana, e com bateria, que não tem nada a ver com a gente. Isso é um aspecto na área litúrgica. E nessa área, a igreja evangélica não sabe conviver com sanfona, triângulo, zabumba, agogô, repique ou atabaque. Atabaque, então, é visto como coisa da umbanda. Por que na minha perspectiva a igreja evangélica é uma ameaça à cultura popular? Porque tem essa onda de que toda cultura é do diabo. Se o cara agora é crente, ele não pode mais dançar maracatu, maculelê, ciranda nem reggae, que é a grande manifestação do povo maranhense. Ele não pode dançar o côco, que é a grande manifestação do povo de Alagoas.
Jornal União: O senhor não acha que isso tem a ver com a evangelização do Brasil, feita por missionários protestantes brancos dos Estados Unidos, que trouxeram inclusive a sua cultura, de forma impositiva?
Pastor Wellington: Evangelização ou colonização? A gente fala muito da colonização portuguesa mas, no âmbito protestante, o que houve foi uma colonização norte- americana. Tive um professor que chegou a cometer uma extravagancia em sala, ao dizer que a cultura norte-americana é uma cultura sagrada. Pois, segundo esse professor, quem evangelizou a América foram os protestantes ingleses. Então, nessa perspectiva a cultura protestante é sagrada e a cultura budista, muçulmana e umbandista, do negro e do índio seriam todas do demônio. Isso é um equívoco. O que eu particularmente acho é que como a igreja foi omissa... Por exemplo: como surge a umbanda no Brasil? O negro queria entrar na Missa, mas Missa e Igreja era lugar de branco. Aí o cara ficava do lado de fora. Do lado de fora pode tudo. Então, ele pega os elementos do cristianismo e dá uma mesclada com o que ele conhecia lá da África e gera o que a gente tem. Se a Igreja tivesse aberta hoje não teríamos, por exemplo, bem provavelmente, isso que está aí. Então, se a Igreja se torna omissa e deixa a cultura aí , jogada, não tem como não se deturpar. O meu medo, repito, é que a igreja evangélica, que é mais chegada à cultura Made in Europa ou Estados Unidos, Hong Kong, Coréia do Sul. A gente gosta de importar modelos, tudo menos o daqui. O que é daqui é visto como se não prestasse. Por isso eu acho que a igreja evangélica é uma ameaça à cultura popular. E, ainda tem esse elemento: você agora é uma nova criatura, não pode mais tocar triângulo, não pode mais dançar nem participar de um grupo de quadrilha. Quando falo quadrilha não é aquela do congresso, mas a junina.
Jornal União: Há manifestações culturais no Brasil e no Nordeste como a capoeira e o reggae, que são mal vistas até por pastores, que as classificam como diabólicas. O que o senhor acha disso?
Pastor Wellington: Racismo. Se a capoeira tivesse sido trazida por brancos ingleses ou americanos, todo mundo dançava capoeira. Mas, como a capoeira é dança de negro e é dança de pobre, então é do diabo. Se você pega o reggae na Jamaica ele é uma música de resistência, de denúncia. Volto a dizer: se o reggae e as músicas da capoeira enaltecem os exus é culpa de quem? Culpa da Igreja que sempre se distanciou. Se a igreja tivesse próxima as músicas da capoeira seriam textos bíblicos. Eu conheço um grupo aqui, na favela do Curado IV, é uma Igreja Episcopal, em que todas as músicas dançadas na capoeira lá são músicas de cunho bíblico. Mas, no fundo no fundo, o problema do reggae e da capoeira é racismo. Essa é a palavra curta e grossa que o povo evangélico quer encobrir. No fundo esse preconceito com a capoeira e com o reggae não tem outro nome não. É racismo! Não é diabo não, é racismo mesmo. É porque é negro e pobre. Então, para essa mentalidade racista, tudo que é de negro e pobre é do diabo.
Jornal União: Alguns argumentam que essas manifestações culturais, como no caso do reggae, geram desordem no culto e por isso não as aceitam.
Pastor Wellington: Desordem em que sentido? Eu estou lendo um livro de Karen Armstrong que eu recomendo, chamado “Em Nome de Deus”. Ela analisa o fundamentalismo nas três grandes religiões monoteístas: Islã, judaísmo e cristianismo. E ela diz uma coisa fantástica: todo fundamentalista é apaixonado por ordem e decência e detesta liberdade de expressão. Tudo que é libertário é considerado desordem para o fundamentalista. Foi em nome dessa ordem que a igreja evangélica em 1964 delatou os membros de sua igreja. É em nome dessa ordem que a igreja se vendeu para os militares durante a Ditadura. É em nome dessa ordem que a igreja evangélica se vende, e prefere o silêncio, a omissão e a covardia. Então essa história que a capoeira e o reggae são desordens é conversa. Isso inclui também o forró, o maculelê e outras manifestações culturais. Essas manifestações culturais não promovem desordem nenhuma. Mas, para quem tem uma mente cauterizada, e que não quer abri-la, isso é considerado desordem. Essas pessoas preferem morrer com a mente cauterizada do que ser aquilo que falou Raul Seixas: uma “metarmofose ambulante”. É melhor ser essa metamorfose ambulante do que ter uma mente fechada acerca de tudo. Lamentavelmente foi Raul, eu gostaria que um pastor que tivesse dito isso. Mas Raul tinha toda razão!
Jornal União: O senhor acha que a igreja evangélica tenta impor uma cultura?
Pastor Wellington: Qual é a cultura evangélica? Ivone Gebara fez essa pergunta. Não existe uma cultura cristã. Um amigo meu me disse esses dias que participou da Festa dos Tabernáculos. Mas isso é cultura nossa? Agora tem que virar judeu a pulso. Tem que virar chassidim, com aquele chapeuzinho e tudo mais. O Israel que eu acredito é o Israel de Deus, que não tem mais terra, geografia. Acabou há muito tempo essa história do lugar, da terra do Templo. Jesus acabou com isso e disse que devemos adorar o Senhor em Espírito e em verdade. Não há cultura cristã. A cultura cristã será a cultura em que o cristianismo estiver inserido naquele momento e lugar. Também, tudo que atente contra a vida e a dignidade do ser humano, em qualquer cultura, deve ser combatido. Se não atenta contra a vida e a dignidade não atenta contra Deus. Essa é que é a verdade. Deus é vida. Portanto, enquanto a dignidade do homem está mantida, Deus está presente.
Jornal União: Se alguém dissesse que o senhor tem um discurso muito comunista, o que o senhor diria?
Pastor Wellington: Se fosse em 1960 e 70 eu ficaria orgulhoso pra caramba (risos). O que seria o discurso comunista, hoje? Cadê os comunistas? A maioria dos comunistas mandaram esquecer o que escreveram. Eu sou admirador de Che Guevara. Sábado eu estava no sertão de Serra Talhada, e lí a biografia do Che. Eu chorei. Olhando para Che, ministro de Estado carregando saco. Eu lí a carta de Che renunciando à patente de General e Ministro. Dizia Che: “Aonde tiver uma injustiça e o povo sofrendo, alí é o meu lugar”. Foi para a África e foi assassinado aqui na Bolívia. O que leva um cara que era médico e de família burguesa a encabeçar uma Revolução? Mas já não tinham tomado Cuba e Fidel não está vivo até hoje? Mas o ideal ardia no peito do cara. Eu achei Che às vezes mais crente que eu. Quantas vezes eu estou defendendo apenas a minha bolacha? Che morreu em nome de um ideal revolucionário. Se disserem que meu discurso é muito comunista eu digo que não: meu discurso é muito cristão. Só que o Jesus que eu leio não é o Jesus esotérico da maioria dos evangélicos. Esse Jesus da maioria dos evangélicos é um místico, da cura do câncer e de sonho e revelação. É o Jesus água com açúcar. Quem morreu na cruz era um zen. O cara já levou tudo na cruz então eu tenho que ficar aqui só recebendo benção. O Jesus que eu creio é o cara que faz a opção logo ao nascer. Nasce numa casa pobre, num estábulo e numa família de marceneiro. Depois, em vez de fazer o caminho do palácio faz o caminho da periferia. Em vez de fazer o caminho do morro da transfiguração faz o caminho dos renegados. Em vez de fazer o caminho da religião faz o caminho da escória. Engraçado é que quem mata Jesus não é a escória, é a religião. Faz o caminho do poder do povo e não do poder institucional. Quem mata Jesus é o poder institucional. Os religiosos de direita induziram o povo a gritar Barrabás, para deixar Jesus morrer. O Jesus que eu creio é o Jesus de pés empoeirados, que lida com o pobre e que confronta todo o poder instituído que oprime. O Pacto de Laussane pregou esse Jesus. O que ele dizia era: “O Evangelho Todo, para o homem todo e para todas as nações”. O problema é que a Teologia da Libertação e a Missão Integral do Evangelho foram sufocadas. O Vaticano dilacerou a Teologia da Libertação. Dom Hélder Câmara sofreu isso. Engraçado é que a Renovação Carismática não tem apoio do Vaticano, mas como junta gente, é tolerada. A igreja evangélica está no mesmo caminho. Eu não tenho nada contra o pentecostalismo. Tenho amigos e colegas como Ricardo Gondim e Carlos Queiróz que são pentecostais mas são engajados. Mas sou contra essa igreja neo-pentecostal, alopradérrima, que fica lutando contra demônios imaginários, ungindo postes entre outros, em vez de combater o coronelismo, a fome e as desigualdades reais. Isso é mais fácil. Pra mim, a opção da igreja evangélica foi pelo caminho mais fácil. É melhor brigar com o que não se vê do que encarar o governador corrupto e o juiz ladrão.
Jornal União: Há líderes evangélicos que discordam de que evangélicos escutem músicas como Jackson do Pandeiro, Tribo de Jah e Luíz Gonzaga, pois classificam esse estilo de música do mundo. O que o senhor acha disso?
Pastor Wellington: Parece até que deram minha discoteca lá de casa (risos). Lá em casa eu sento com minhas filhas, e ponho elas para ouvir Jackson do Pandeiro, Luís Gonzaga, Antônio Nóbrega e há pouco tempo eu fui apresentado musicalmente à Tribo de Jah. Lá em casa eu sempre digo que nós não ouvimos lixo. Nem lixo secular, nem lixo gospel. Tem muitos CDs que me deram por aí e que eu não joguei fora por questão de delicadeza, e não vou fazer a maldade de presentea- los para alguém. Mas também há os que eu ouço. Há CDs evangélicos que eu não ouço. Na verdade há mais heresia à doutrina e teologia em muita música auto- intitulada gospel do que na Música Popular Brasileira, entre outras. Quando as pessoas falam em não ouvir música do mundo, eu sempre digo que ainda não consegui ouvir música de Júpiter, Marte. No dia que lançar um CD de algum desses planetas, talvez eu consiga. Então, um evangélico que seja aluno de Psicologia não pode ler Freud e Jung, por eles não terem morrido crentes? Um aluno de Jornalismo e Sociologia não vai poder ler Marx? Aí vai dizer o que para o professor? Meu pastor disse que é do mundo?