Entrevistas e Textos Importantes

19.1.04

Entrevista
Senador Magno Malta

Senador pelo Partido Liberal (PL) do Espírito Santo, Magno Malta é um personagem visível no cenário nacional. Evangélico, foi relator do projeto que reformou o Novo Código Civil e acabou com a equiparação das igrejas com associações. Mas a sua atuação mais marcante foi como presidente da CPI do Narcotráfico. Na semana passada esteve em Natal, e concedeu a seguinte entrevista ao Jornal União:

Jornal União: Seu partido é da base do atual governo federal. Como o senhor avalia o primeiro ano do governo Lula?
Magno Malta: Bom, muito bom. Lula pegou um carro a 300 quilômetros por hora, e carro a essa velocidade você não põe o pé no freio dele, senão vira. Então, ele tratou com muito cuidado de diminuir o Risco Brasil, fortaleceu o país no exterior, estabilizou o dólar, calou definitivamente a inflação e com isso criou algumas retrações, é claro. Na verdade Lula viveu em 2003 o exercício do orçamento de 2002, do governo Fernando Henrique Cardoso. Na verdade, as adversidades que foram imputadas ao governo Lula se fazem exatamente para poder fazer discurso de oposição. Mas, na verdade, de um a dez, eu diria que o governo foi oito.

Jornal União: No meio evangélico se comentava, há alguns anos, que Lula, devido ao seu discurso socialista, se fosse eleito iria perseguir as igrejas. Mas agora ele chegou ao poder e sancionou as mudanças no Novo Código Civil, que beneficiam as igrejas. O que o senhor acha disso?
Magno Malta: Acho que foi uma tremenda ignorância, uma tremenda besteira. O cara prega que nós estamos debaixo da mão de Deus, que tem poder. Que a Igreja é a noiva do Senhor Jesus e ninguém toca nela, depois tem medo de Lula? Que conversa é essa? Os romanos tentaram de fato essa medida, quando mataram os cristãos, jogaram no arena, o caramba a quatro e não calaram a igreja. Hitler não calou a Igreja. O comunismo não calou a Igreja. Lula é que ia calar? Eu não sou PT, mas já teve experiência do PT, exercendo o poder em prefeituras, e ninguém nunca foi lá fechar igrejas. Muito pelo contrário. Há muitos prefeitos por aí multando igrejas que não são de partidos de esquerda. No meu estado mesmo o prefeito é do PSDB e vive multando as igrejas. Isso por causa da chamada lei de silêncio. Mas usaram essas coisas na campanha contra o Lula. Espalharam um CD por aí, absurdo e mentiroso, feito por um Deputado Estadual que diz que é pastor. Mas quem tem compromisso com Deus não faz isso. Não difama ninguém, não mente para as pessoas para tirar proveito disso. Foi uma mentira que fizeram contra o Lula. Na verdade, disseram que a lei do silêncio ia calar as igrejas, mas isso nem existe. Pois, isso foi uma emenda no Senado que o Fernando Henrique vetou. Nem existe isso, tá certo? E aprouve Deus, até para ensinar para essas pessoas que quem cuida da Igreja é Ele, que o Lula fosse o sujeito que sancionasse a nova medida que mudou o Código Civil no sentido de garantir a liberdade das igrejas. Foi o que o Lula falou no discurso dele, quando foi sancionar a lei, dizendo que não sabia se era por destino ou vontade de Deus, mas ele estava sancionando a liberdade das igrejas para provar àqueles que espalharam pelo Brasil que iria fechar as igrejas. Ele disse que essas pessoas deviam um pedido de perdão não a ele, mas a Deus e às suas consciências. Infelizmente, em nosso meio, existem pessoas para tirar proveito político com informações mentirosas e contra-informações. Provam de fato, uma falta de conhecimento, não é? E se nós olharmos no campo espiritual, quem é Lula para parar a Igreja? Não é ninguém.

Jornal União: O senhor foi o relator do projeto que acabou com a obrigatoriedade das igrejas se tornarem associações, aprovado em Dezembro. Qual a importância disso para as igrejas evangélicas do Brasil?
Magno Malta: Não só evangélicas, como qualquer entidade religiosa. O nosso país, o Brasil, é um país laico. O Brasil não tem religião oficial. Aqui nós temos liberdade de culto garantida pela Constituição Federal, em qualquer lugar, seja praça pública ou não. Em sendo assim, nós temos liberdade enquanto entidade religiosa, temos estatutos e regulamentos próprios, sem que a mão do Estado esteja sobre a Igreja, pois não há mais religião oficial. Então, o Novo Código Civil tratava a Igreja como um Clube de futebol, uma associação qualquer, e o indivíduo que a ela pertence não é membro, mas é sócio, correto? E aí, as ofertas, por exemplo, a partir de 10 de Janeiro agora, se nós não tivéssemos feito essa emenda que derrubou essa medida do Código Civil, teriam que ser depositadas no banco - e não poderiam ser dadas na igreja- senão ia caracterizar caixa dois. O dízimo tinha que ir para o depósito lá. O sujeito que se desligasse da associação poderia ir na justiça e requerer o seu dízimo de volta. Agora você imagine o Ministério Público em cima da Igreja. O Estado em cima da Igreja. Nós perderíamos todas essas garantias que nos são dadas pela Constituição Federal. Mais que isso: do ponto de vista espiritual não há a menor condição que haja envolvimento ou intervenção do Estado sobre a Igreja. Então, eu reputo que a mudança no Código Civil , que atormentou durante um ano as igrejas e colocou as entidades religiosas desesperadas no país, tenha sido a maior vitória da Igreja no ano de 2003.

Jornal União:Algumas pessoas disseram que esse projeto só foi aprovado por que ele também incluía os partidos políticos, que deixaram de ser, também, equiparados às associações. O que o senhor acha disso?
Magno Malta: Claro, a vida é feita com estratégias, não é assim? Então, foi a estratégia que nós encontramos. Incluir os partidos políticos, para poder aprovar essa mudança com a velocidade que aprovamos. Isso foi feito de forma consciente.

Jornal União: No dia da posse do Presidente Lula, o senhor foi filmado o abraçando e falando com ele, por longo tempo. O que o senhor estava dizendo para ele?
Magno Malta: Foi um cochicho, e cochicho não se comenta (risos). É melhor nunca falar desse cochicho, senão as pessoas perdem a curiosidade. Mas, não tenha dúvida de que falamos de coisas concernentes a crime organizado, a violência no país, e eu dava ao Presidente da República, naquele momento, uma palavra de Deus no sentido de que Deus o havia ungido Presidente do Brasil. Ele realmente não entende o que é isso. Eu, então lhe disse: não precisa entender, só precisa agir como está agindo. Na verdade, a ação do Lula de combate à fome e à miséria, é uma ação sacerdotal de alguém que quer estender a mão aos menos favorecidos. Num país tão rico como o nosso, uma miséria tão grande como a que temos, sem dúvida nenhuma envergonha a todos nós. Acho que Lula é um instrumento de Deus e foi em torno dessas questões que nós cochichamos aqueles três minutos, no dia da posse dele.

Jornal União: O número de evangélicos no Brasil tem crescido muito. O senhor acha que o evangélico deve votar em outro evangélico, necessariamente?
Magno Malta: Eu acho que não. Essa história de que irmão vota em irmão é mentira. Isso foi uma idéia furada que inventaram, coisa de pilantra, para poder se eleger com voto evangélico. Eu acho que o irmão tem um privilégio comigo. É de ser avaliado primeiro. Eu não posso avaliar o outro, antes de avaliar o meu irmão. Mas eu não tenho compromisso de votar nele. Ninguém, no meu estado, tem compromisso de votar em mim. Mas tem obrigação de me dar oportunidade primeiro, de me avaliar primeiro. Tem que ser avaliado o interesse do candidato pelas lutas da sociedade, pelos interesses e sofrimentos da sociedade, o engajamento com as lutas da sociedade. Se esse sujeito tem ou não bandeira. Se ele vem lutando por essa bandeira, e se tem compromisso com a família dele. Pois em primeiro lugar vem a família, depois a Igreja. Você tem que ver se esse cara tem compromisso com a Igreja dele, enquanto evangélico. Se esse cara tem testemunho, se ele é dizimista, se está debaixo da autoridade pastoral. Você tem que ver uma série de coisa para poder ver se pode confiar nessa pessoa. Quando a eleição chega todo mundo é evangélico. Tem gente que vota num irmão para a igreja não pagar mais IPTU. Tá certo isso? Igreja sou eu. O prédio é o prédio. No dia que você tirar o IPTU do prédio vai aumentar o do vizinho. É normal isso? Então essas conversas bobas de que temos que eleger irmão, pois o irmão vai arrumar palanque para poder fazer evento, vai arrumar ônibus para os jovens viajarem. Esse tipo de comportamento inconseqüente e até imoral, tem que acabar. Esse tipo de visão não tem que existir. Enquanto cidadão, o cristão tem que se comportar de maneira tão significativa, que o espírita, o macumbeiro e o ateu tem que olhar para ele e achar que ele, enquanto cidadão, é digno do seu voto, independente de ele ser evangélico, ou não, tá certo? Ele precisa exercer vida pública para todos. Você não é eleito para representar e lutar apenas por um segmento. Eu não gosto dessa história de bancada evangélica. Pois, amanhã vai ter bancada espírita, católica e ateísta. Então nós iremos fazer uma guerra religiosa nesse país? Eu acho que deve ter bancada de homens e mulheres de bem, honrados e que tenham vergonha na cara.

Jornal União: Por que o senhor propõe a redução da maioridade penal?
Magno Malta: Eu sou a favor da redução da maioridade penal para treze anos. A minha proposta é essa. Eu acho que nós vivemos muita hipocrisia nesse país. E acho que o homem que está no Poder Legislativo pode e deve produzir leis, e fazer a fiscalização. Essa redução da maioridade penal, faz parte de uma série de medidas para conter a violência no país. Na verdade, quando na minha Proposta de mudança constitucional, PEC, eu propus a redução para treze anos, que leva o nome da Liana Friedenbach, menina que foi assassinada em São Paulo, eu estava querendo suscitar a discussão no país. Conseguí isso, e pesquisas vieram informando que 88 % são a favor da redução, outra dá 92%. Isso por que a lei brasileira hoje não educa e não é pedagógica. A lei brasileira só protege a quem comente o crime. Como isso acontece? A gente, quando tem uma criança, você mostra para ela o fogo e fala: ó meu filho, isso aqui é o fogo. Se você colocar a sua mão aqui, queima. Você vai ficar com a mãozinha queimada, aleijada e vai tomar injeção. Você vai ter que ir para o médico, e ficar no hospital. Meu filho, não ponha a mão aqui não. Dessa forma, você está ensinando. Mas a lei brasileira não diz isso não. Sabe o que ela diz? Ponha a mão no fogo, se queimar até os dezessete anos eu pago tudo, eu me responsabilizo, eu te protejo, eu tomo conta de sua mão queimada. Até dezessete anos pode queimar a mão, que eu resolvo para você. Depois eu não faço mais não, mas até agora você queima, tá certo? Não. A lei tem que impor limites. A lei tem que ser pedagógica. O que nós estamos dizendo? Quando eu propus os treze foi para produzir a discussão. Na verdade, a minha justificativa na lei diz o seguinte: qualquer brasileiro, de dezoito anos para baixo, que cometer crime hediondo, que perca sua menoridade, seja colocado na maioridade para pagar as penas da lei. Pronto! Se o menino de oito anos estuprar, é problema dele. Vai ter que pagar pelo estupro dele. Duvido muito que um menino de oito anos vá estuprar alguém. Mas se estuprar, tudo bem. Se um menino de doze anos entrar entrar num banco e fizer seqüestro seguido de morte, é problema dele, tá certo? É o que a Bíblia diz : “alegra-te jovem na tua mocidade e faça tudo que quiser fazer. Mas saiba, porém, que um dia vão te pedir em conta”, correto? Então, deixe o jovem do jeito que está. Deixe. Não mexe. É dezessete, é dezesseis, quinze, doze. Deixa tudo igual. Agora, diga a ele: olha, se você cometer crime hediondo, você perde sua menoridade. Você vai ensinar seu filho assim. O seu neto você vai ensinar e na escola ele vai aprender que não pode atentar contra a honra e contra a integridade física de ninguém, tá certo? Porque, se isso ocorrer, ele vai perder a menoridade e será colocado na maioridade penal. Agora, os que são contra a medida dizem que não dá para colocar esses meninos nesses presídios que estão aí. Vai virar um bandido pior ainda. Tá corretíssimo. Mas agora não é problema meu. É problema do governo federal. Na verdade, nós temos que, junto com essa medida, discutir o problema prisional e penal do Brasil. Precisamos construir presídios onde o sujeito possa pagar sua dívida com dignidade. O que nós temos hoje são depósitos de seres humanos. Numa cela de quatro por quatro, fica quinze, vinte pessoas, para comer o marmitex em cima do vaso sanitário. Isso é tratamento para bicho. Nós temos que produzir presídios onde o indivíduo possa trabalhar, estudar e que já entre sabendo que terá que ressarcir o Estado, e que vá trabalhar para indenizar a família da vítima. Deveria terceirizar os presídios. Eles deveriam pagar sua pena com trabalho. Isso para meninos de quinze e homens de vinte, trinta, quarenta, cinquenta anos. O que não podemos é usar esse argumento de que não temos presídio para proteger um maior de dezessete anos de idade, que mete um ferro na cabeça de um cidadão de bem, chama ele de vagabundo, leva ele na casa dele, estupra sua mulher na frente dele, depois sai e a polícia põe a mão nele, e ele diz: tire a mão de mim que eu sou menor. Que história é essa? Onde nós estamos vivendo? Nós somos os fomentadores da violência nesse país. Nós vivemos uma hipocrisia muito grande. Quem mata com dezessete anos, mata com dezesseis. Quem estupra com dezessete, estupra com dezesseis. O menino com dezesseis anos de idade, faz filho, estupra e mata do mesmo jeito. Vou propor que um menino de dezesseis anos possa tirar carteira de habilitação. Ele não pode votar aos dezesseis? Quero discutir isso com o Brasil, agora. Mas, sou plenamente a favor de que qualquer brasileiro que cometer crime hediondo com menos de dezoito anos de idade, não importa a idade, que pague pelo crime cometido.

Jornal União: Algumas pessoas dizem que essa redução da maioridade penal, ao invés de resolver o problema iria encobrí- lo. Pois esse problema é de raíz social, gerado pela própria sociedade. Por que não melhorar a sociedade, com eduçação e saúde de qualidade para todos, ao invés de reduzir a maioridade penal?
Magno Malta: Essas pessoas que dizem isso precisam dizer como elas estão agindo na sociedade. Precisa saber primeiro o que elas fazem. Pois, eu, quando falo disso, estou há 25 anos tirando gente da rua. Recuperando gente. Você tem que ter autoridade do que você faz. Então, quando o cara discute esse assunto ele tem que primeiro dizer o que ele faz. De conversa fiada eu estou cheio.