Entrevistas e Textos Importantes

15.12.03

O Evangelho e a última fronteira da comunicação
Como as igrejas podem evangelizar na Internet



O mundo atual tem experimentado um novo momento de migração em massa, de expansão de fronteiras. Não se trata, no entanto, de nenhuma conquista de territórios físicos. Pelo contrário, a expansão contemporânea ocorre no mais virtual dos ambientes: a Internet.
Os desafios evangelísticos que a Internet promove se assemelham àqueles que estão na origem do protestantismo trazido ao Brasil pelos norte-americanos no século XIX. O nascimento daquele tipo de protestantismo se deu nas fronteiras da expansão do Oeste americano, uma bárbara terra de ninguém com intenso fluxo migratório. Um tempo de expansão de fronteiras e forte migração se traduz por confusão e busca de equilíbrio social.
O ciberespaço é parecido. A cada dia, milhões de pessoas desterritorializadas se conectam à Grande Rede, com ou sem objetivos definidos. Esses migrantes vão à busca de informação, de diversão, de entretenimento, ou de coisa alguma em especial. Vazios, muitos deles precisam de socorro espiritual. E se tornam presas fáceis de religiosidades, filosofias, sexo cibernético. Como a Igreja evangélica deve se posicionar frente a isso?
O pastor Kleber Nobre de Queiroz há cerca de três anos publica sermões na Internet, especialmente no portal Bibliaworld (www.bibliaworldnet.com.br). Ele acredita que a Internet, como qualquer meio de comunicação, é neutra. “Terá a utilidade e a finalidade que dermos a ela. Com a Internet abriu-se uma nova fronteira de comunicação. A Igreja pode se servir dela para comunicar sua mensagem”, afirmou.
Na sua experiência “pregando” na Internet, o pastor Kleber já pôde ver muita gente ser abençoada. “Recebi um e-mail de um homem na Espanha que estava desviado e dizia como uma mensagem havia tocado seu coração”, disse.
A gaúcha Queila da Rosa, 22 anos, mantém há cinco meses o “blog” Vida com Jesus (www.vidacomjesus.blogger.com.br). Membro da Igreja Batista de Ijuí (RS), Queila diz que antigamente acreditava que os sites e blogs evangélicos eram acessados apenas por cristãos. Depois passou a perceber o seu papel evangelístico. “Precisamos definir os alvos, entender quem é nosso público, e então agirmos”, disse ela. “Muitas pessoas me escrevem, contando que foram abençoadas através dos textos escritos no blog”, confessando que o principal propósito é a edificação dos cristãos. “Algumas vezes, escrevo o texto para os crentes e depois faço o 'gancho' para aqueles que ainda não conhecem a Jesus”, disse. “Um moço me mandou um e-mail, pedindo que eu falasse sobre minha vida, minha experiência com Deus. Falei do amor de Deus, do quanto Jesus fez naquele cruz por nós. A resposta dele? ‘Valeu pela resposta, eu estive pensando no que você disse...realmente, o cara fez muito pela gente e nem reconhecemos’. Fiquei radiante! É prova de que, não importa o meio, a mensagem de Deus tem sido sim levada aos corações através da Internet”, concluiu.
Para o pastor Kleber, a melhor maneira que a Igreja tem de prestar assistência espiritual às milhares de pessoas que navegam à toa pela Rede é a criação de comunidades virtuais de orientação cristã. “A criação de grupos de discussão e chats no mundo virtual podem criar o sentido de comunidade que falta a muita gente atualmente”, defendeu.
A Internet está aí e está moldando fortemente a nossa sociedade contemporânea. É, certamente, um campo já branco para a ceifa. Este é o momento de a Igreja ir até essa última fronteira levando o Evangelho de Cristo.

Conheça alguns sites evangélicos

Muitas igrejas e ministérios têm disponibilizado “sites” com conteúdo evangelístico na Internet. Uma das páginas pioneiras e mais conhecidas foi o Bibliaworld (www.bibliaworldnet.com.br), alocado no portal do UOL. Além de mensagens, o “site” trás notícias, “chats” e muito mais.
Outro desses “sites” nacionais é o E-Jesus (www.ejesus.com.br). Semelhante ao pioneiro Bibliaworld, publica textos e trabalhos de líderes evangélicos de todo o país.
Na cola do sucesso do ministério Diante do Trono, o site da Igreja Batista da Lagoinha (www.lagoinha.com) talvez seja a “home page” de igreja no Brasil mais completa na Rede. E é visitada por gente de toda parte e denominação.
Em Natal, muitas igrejas têm investido na evangelização pela Internet. Destacam-se “sites” como os da Assembléia de Deus de Candelária (www.adcandel.com.br), da Igreja Batista Viva (www.igrejaviva.net), da Igreja Presbiteriana Independente (www.1ipin.com.br) e o da Igreja do Nazareno (www.nazarenonatal.com.br).
Os “sites” pessoais e, ultimamente, os “blogs” também têm sido instrumentos de evangelização no ciberespaço. O pastor Caio Fábio mantém sua página pessoal no ar em que continua transmitindo o evangelho (www.caiofabio.com). E muitos blogueiros evangélicos têm aproveitado a nova mídia para falar de Jesus.
Os “blogs” são espécies de diários pessoais gratuitos publicados na Internet. Somente no Brasil estimasse que existam pelo menos 250 mil blogs que tratam de diversos assuntos. Entre eles, o Evangelho. São exemplos de blogs assim o Impressões Digitais (www.idigitais.blogger.com.br), o Jesus Freak (www.poderosodeus.weblogger.terra.com.br) e o Vida com Jesus (www.vidacomjesus.blogger.com.br).
Queila Cristina Bandeira de Azevedo tem 20 anos e geralmente procura músicas evangélicas na Internet. Ela considera que os sites que estão no ar hoje são de boa qualidade. No entanto, revela dificuldade em satisfazer suas necessidades por coisas relativas à música e dança. Líder de um ministério de coreografia, Queila reclama que na maioria dos sites de música só se encontram cifras e notícias sobre artistas. “Do que eu procuro, não consigo quase nada”, disse.
Para o pastor Kleber Nobre de Queiroz existem bons sites evangélicos no Brasil, como o Bibliaworld e o E-Jesus. Ele diz que geralmente busca notícias e estudos bíblicos e se sente satisfeito. “Os sites que eu acesso atendem bem às minhas expectativas: têm debates, notícias, músicas. Enfim, são ecléticos”, concluiu.

10.12.03

Dez anos de intensas trevas
Há 35 anos era promulgado o AI-5



O ano era 1968. Época de fortes mobilizações sociais em inúmeros países que chegaram ao Brasil na forma de protestos contra o Regime Militar. Eventos como a Passeata dos Cem Mil, os festivais da canção, o movimento estudantil pressionavam o governo. A sociedade queria maiores liberdades democráticas.

Tais fatos fizeram a linha-dura do Regime acreditar que a “Revolução” estava se perdendo. E gerou uma reação, o Ato Institucional número 5. A gota d´água para a promulgação do AI-5 foi o pronunciamento do deputado Márcio Moreira Alves na Câmara Federal, no início de setembro, apelando para que o povo não participasse dos desfiles militares de 7 de setembro.

O governo solicitou ao Congresso licença para processar o deputado e também seu colega Hermano Alves, autor de uma série de artigos de oposição à Ditadura. Em 12 de dezembro a Câmara recusou por uma diferença de 75 votos, inclusive de deputados da governista Arena, conceder a licença para o processo dos dois deputados. Na noite seguinte, foi baixado o Ato e decretado recesso do Congresso Nacional por tempo indeterminado.

Com o AI-5, o presidente da República tinha poderes totais para perseguir e reprimir as oposições, decretar estado de sítio, intervir em Estados e municípios, cassar mandatos e suspender direitos políticos. O Governo cassou 110 deputados federais, 160 estaduais, 163 vereadores, 22 prefeitos e afastou quatro ministros do Supremo Tribunal Federal. O AI-5 só foi revogado em 1979, no governo do general Ernesto Geisel.

Para o ministro anglicano Jorge Luiz Freire de Aquino, integrante do Centro de Direitos Humanos e Memória Popular (CDHMP), os dez anos de vigência do AI-5 foram um período “em que aquilo que a Bíblia chama de trevas reinou nesse país com o cerceamento completo da opinião. Foram dez anos em que a autoridade se considerou um César, divina, inquestionável. Dez anos de arbítrio, de tortura, de morte, de trevas”.

Segundo ele, o papel da igreja evangélica mudou muito naquele período. “Havia uma igreja antes do Golpe e surgiu outra depois”, disse. Antes de 1964, a Igreja tinha razoável unidade, desenvolvimento teológico e estava ligada às questões políticas do país. “Era uma igreja aberta que depois do Golpe se tornou uma igreja reativa, teologicamente conservadora, voltada para dentro e oportunista”, disse Aquino, referindo-se às vigílias de agradecimento a Deus pelo Golpe e aos Cultos de Ação de Graças no Maracanã, comemorando o sucesso da “Revolução”.

O maestro Alberto Florêncio da Hora, membro da Igreja Presbiteriana das Rocas, foi uma das vítimas do AI- 5 no estado. No fim de setembro de 1973 foi preso, passando cerca de dois meses detido. Foram seus endereços de tortura e sofrimento, nesse período, o DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna) de Recife (PE), o Quartel da Polícia do Exército em Olinda (PE) e a Colônia Penal Dr. João Chaves.

Militante do PCR (Partido Comunista Revolucionário), foi preso quando pessoas ligadas a ele também caíram pela Repressão. “Meu pai foi líder de sindicato e aposentado compulsoriamente pelo AI-5. Fui criado dentro dos sindicatos vendo aquela turma incendiária”, disse.

Na época em que foi preso, Alberto era freqüentador da Igreja em que sua esposa era membro. “Desde 66 eu freqüentava a igreja só não era membro”, afirmou. Na sua opinião, o AI-5 “foi uma das grandes violências políticas e institucionais ocorridas no país, talvez tão maior quanto o Estado Novo”.

E o papel da Igreja? “Solidariedade total”. Segundo ele, o pastor e os irmãos procuraram assumir uma postura de defesa e proteção, dele e da família, ainda que não tivessem condições de fazer muita coisa.

Essa é uma atitude que difere do que ocorria costumeiramente. Em tempos de AI-5 muitos membros politizados de igrejas evangélicas foram delatados às forças da Repressão por irmãos e pelos próprios pastores. O reverendo Jorge Aquino diz que delatar ovelha é entregá-la à boca dos lobos. “Tentar fundamentar isso biblicamente é trair o chamado de Cristo para o pastoreio. Significava angariar capital político para negociar com as autoridades”, disse.

“Tenho amigos que na época de jovens foram entregues para a tortura e morte por pastores que hoje estão na moda, vendem livros e falam para auditórios repletos sobre Batalha Espiritual”, disse Jorge. “Tem gente fazendo sucesso hoje que tem muito sangue nas mãos”, denunciou.

Alberto da Hora acredita que uma postura conivente das igrejas com os abusos da Ditadura deve ter sido produzida por uma certa ingenuidade quanto ao momento e medo da Repressão. “Meu sogro, que era pastor, duvidava que eu tivesse sido torturado”, disse.

Sobre a defesa de uma postura acrítica quanto ao Regime a partir da leitura de textos como Romanos 13, o maestro acredita que a Ditadura estava na contramão do texto. “A gente imagina que o texto se refere a um governo instituído por vias democráticas. Ninguém pediu para os militares se colocarem no poder. Não era um poder legítimo, tinha de ser combatido mesmo”, defendeu.

O maestro afirma trazer ainda seqüelas físicas, emocionais e psicológicas como resultado dos meses de tortura que sofreu. “Não gosto de estar em multidões nem em lugares estranhos. Ainda tenho pesadelos recorrentes à época da prisão”, confessa. Mas ele diz não ter mágoas, apesar de ter passado um período revoltado com os abusos sofridos. “Atualmente a gente reflete que não tem como ter mágoas. A visão que tenho é que aquilo era uma guerra. Luto para que algo assim não ocorra de novo no Brasil ou em qualquer lugar do mundo”, disse.

Da Hora acredita que é importante dizer o que houve naqueles dias negros no Brasil. “As pessoas têm que saber que havia tortura, porque tem gente que acha ainda hoje que isso não existia”, concluiu.




4.12.03

Entrevista com o pastor Wellington Santos

Um dos preletores do Prosseguir 2003, o pastor Wellington Santos causa polêmica por suas posições. Sua caminhada cristã começou aos 14 anos na Comunidade Mariana. Era um católico ligado à Legião de Maria, e aos 15 anos se converteu ao Evangelho, aceitando Jesus na Igreja Batista. Trabalhou no sertão e com comunidades de periferia, o que lhe deu a base para ter os posicionamentos sociais e eclesiásticos que tem hoje. Formou-se no Seminário Teológico Batista do Norte (STBN), e foi ordenado ao pastorado. Tinha 21 anos à época. Casado e com duas filhas, desde 1993 pastoreia a Igreja Batista do Pinheiro, em Maceió (AL). Concedeu esta entrevista a Gustavo Medeiros, repórter do Jornal União.

Jornal União: Os cristãos estão inseridos em uma cultura. Alguns acham que a cultura deve ser totalmente moldada pela Bíblia. O senhor acha que a cultura em si é diabólica?
Pastor Wellington: Agora em setembro eu falei no Fórum Popular de Teologia, em Olinda e, coincidentemente, eu trabalhei a Igreja e a cultura popular. Em agosto nós realizamos um Fórum de teologia, na Igreja do Pinheiro e um dos temas foi a Igreja e a cultura popular. A cultura não é nem divina nem diabólica. A cultura é do homem. A gente tem que acabar esse maniqueísmo: ou é de Deus ou não. Na verdade, para mim, tudo que é do homem é mais de Deus do que do diabo. Toda manifestação do homem é uma manifestação de Deus, pois nós somos imagem e semelhança não de satanás, mas do Senhor. Então, essa é uma primeira questão: a cultura, em princípio, não é uma manifestação nem de Deus nem do diabo. Quando se fala em moldar a cultura conforme o padrão bíblico é uma coisa que me preocupa, pois a Bíblia está inserida numa cultura. Numa cultura judaica, oriental, que não tem nada a ver, por exemplo, com nossa cultura nordestina. Há elementos que são universais da Bíblia, que podem ser utilizados para salgar a cultura. Eu ouvi Ivone Gebara, que é uma das maiores autoridades da teologia católica, que falou na minha igreja, inclusive. Ela defende a tese da mistura. Tudo está muito misturado. Ela disse que nós não podemos sacralizar a cultura e nem demonizá- la. Pois, na cultura, há joio e trigo. O que precisamos fazer então? Precisamos preservar o que é trigo e conseguir tirar o que é joio do âmbito da cultura. Para mim, a igreja evangélica é uma grande ameaça à cultura popular.

Jornal União: Por que o senhor acha que a igreja evangélica é uma grande ameaça à cultura popular?
Pastor Wellington: É muito simples. Mais ou menos na década de 1950 e 60, numa cidade chamada Palmeira dos Índios, cidade do estado de Alagoas, se converteu um sanfoneiro. Então disseram para ele o seguinte: ou Jesus ou a sanfona! Ele abandonou a sanfona. Hoje, no estado de Alagoas, para você achar um sanfoneiro é uma coisa raríssima. Então, é engraçado como a igreja evangélica sabe conviver com um piano, que é europeu, e sabe conviver com guitarra, que é norte- americana, e com bateria, que não tem nada a ver com a gente. Isso é um aspecto na área litúrgica. E nessa área, a igreja evangélica não sabe conviver com sanfona, triângulo, zabumba, agogô, repique ou atabaque. Atabaque, então, é visto como coisa da umbanda. Por que na minha perspectiva a igreja evangélica é uma ameaça à cultura popular? Porque tem essa onda de que toda cultura é do diabo. Se o cara agora é crente, ele não pode mais dançar maracatu, maculelê, ciranda nem reggae, que é a grande manifestação do povo maranhense. Ele não pode dançar o côco, que é a grande manifestação do povo de Alagoas.

Jornal União: O senhor não acha que isso tem a ver com a evangelização do Brasil, feita por missionários protestantes brancos dos Estados Unidos, que trouxeram inclusive a sua cultura, de forma impositiva?
Pastor Wellington: Evangelização ou colonização? A gente fala muito da colonização portuguesa mas, no âmbito protestante, o que houve foi uma colonização norte- americana. Tive um professor que chegou a cometer uma extravagancia em sala, ao dizer que a cultura norte-americana é uma cultura sagrada. Pois, segundo esse professor, quem evangelizou a América foram os protestantes ingleses. Então, nessa perspectiva a cultura protestante é sagrada e a cultura budista, muçulmana e umbandista, do negro e do índio seriam todas do demônio. Isso é um equívoco. O que eu particularmente acho é que como a igreja foi omissa... Por exemplo: como surge a umbanda no Brasil? O negro queria entrar na Missa, mas Missa e Igreja era lugar de branco. Aí o cara ficava do lado de fora. Do lado de fora pode tudo. Então, ele pega os elementos do cristianismo e dá uma mesclada com o que ele conhecia lá da África e gera o que a gente tem. Se a Igreja tivesse aberta hoje não teríamos, por exemplo, bem provavelmente, isso que está aí. Então, se a Igreja se torna omissa e deixa a cultura aí , jogada, não tem como não se deturpar. O meu medo, repito, é que a igreja evangélica, que é mais chegada à cultura Made in Europa ou Estados Unidos, Hong Kong, Coréia do Sul. A gente gosta de importar modelos, tudo menos o daqui. O que é daqui é visto como se não prestasse. Por isso eu acho que a igreja evangélica é uma ameaça à cultura popular. E, ainda tem esse elemento: você agora é uma nova criatura, não pode mais tocar triângulo, não pode mais dançar nem participar de um grupo de quadrilha. Quando falo quadrilha não é aquela do congresso, mas a junina.

Jornal União: Há manifestações culturais no Brasil e no Nordeste como a capoeira e o reggae, que são mal vistas até por pastores, que as classificam como diabólicas. O que o senhor acha disso?
Pastor Wellington: Racismo. Se a capoeira tivesse sido trazida por brancos ingleses ou americanos, todo mundo dançava capoeira. Mas, como a capoeira é dança de negro e é dança de pobre, então é do diabo. Se você pega o reggae na Jamaica ele é uma música de resistência, de denúncia. Volto a dizer: se o reggae e as músicas da capoeira enaltecem os exus é culpa de quem? Culpa da Igreja que sempre se distanciou. Se a igreja tivesse próxima as músicas da capoeira seriam textos bíblicos. Eu conheço um grupo aqui, na favela do Curado IV, é uma Igreja Episcopal, em que todas as músicas dançadas na capoeira lá são músicas de cunho bíblico. Mas, no fundo no fundo, o problema do reggae e da capoeira é racismo. Essa é a palavra curta e grossa que o povo evangélico quer encobrir. No fundo esse preconceito com a capoeira e com o reggae não tem outro nome não. É racismo! Não é diabo não, é racismo mesmo. É porque é negro e pobre. Então, para essa mentalidade racista, tudo que é de negro e pobre é do diabo.

Jornal União: Alguns argumentam que essas manifestações culturais, como no caso do reggae, geram desordem no culto e por isso não as aceitam.
Pastor Wellington: Desordem em que sentido? Eu estou lendo um livro de Karen Armstrong que eu recomendo, chamado “Em Nome de Deus”. Ela analisa o fundamentalismo nas três grandes religiões monoteístas: Islã, judaísmo e cristianismo. E ela diz uma coisa fantástica: todo fundamentalista é apaixonado por ordem e decência e detesta liberdade de expressão. Tudo que é libertário é considerado desordem para o fundamentalista. Foi em nome dessa ordem que a igreja evangélica em 1964 delatou os membros de sua igreja. É em nome dessa ordem que a igreja se vendeu para os militares durante a Ditadura. É em nome dessa ordem que a igreja evangélica se vende, e prefere o silêncio, a omissão e a covardia. Então essa história que a capoeira e o reggae são desordens é conversa. Isso inclui também o forró, o maculelê e outras manifestações culturais. Essas manifestações culturais não promovem desordem nenhuma. Mas, para quem tem uma mente cauterizada, e que não quer abri-la, isso é considerado desordem. Essas pessoas preferem morrer com a mente cauterizada do que ser aquilo que falou Raul Seixas: uma “metarmofose ambulante”. É melhor ser essa metamorfose ambulante do que ter uma mente fechada acerca de tudo. Lamentavelmente foi Raul, eu gostaria que um pastor que tivesse dito isso. Mas Raul tinha toda razão!

Jornal União: O senhor acha que a igreja evangélica tenta impor uma cultura?
Pastor Wellington: Qual é a cultura evangélica? Ivone Gebara fez essa pergunta. Não existe uma cultura cristã. Um amigo meu me disse esses dias que participou da Festa dos Tabernáculos. Mas isso é cultura nossa? Agora tem que virar judeu a pulso. Tem que virar chassidim, com aquele chapeuzinho e tudo mais. O Israel que eu acredito é o Israel de Deus, que não tem mais terra, geografia. Acabou há muito tempo essa história do lugar, da terra do Templo. Jesus acabou com isso e disse que devemos adorar o Senhor em Espírito e em verdade. Não há cultura cristã. A cultura cristã será a cultura em que o cristianismo estiver inserido naquele momento e lugar. Também, tudo que atente contra a vida e a dignidade do ser humano, em qualquer cultura, deve ser combatido. Se não atenta contra a vida e a dignidade não atenta contra Deus. Essa é que é a verdade. Deus é vida. Portanto, enquanto a dignidade do homem está mantida, Deus está presente.

Jornal União: Se alguém dissesse que o senhor tem um discurso muito comunista, o que o senhor diria?
Pastor Wellington: Se fosse em 1960 e 70 eu ficaria orgulhoso pra caramba (risos). O que seria o discurso comunista, hoje? Cadê os comunistas? A maioria dos comunistas mandaram esquecer o que escreveram. Eu sou admirador de Che Guevara. Sábado eu estava no sertão de Serra Talhada, e lí a biografia do Che. Eu chorei. Olhando para Che, ministro de Estado carregando saco. Eu lí a carta de Che renunciando à patente de General e Ministro. Dizia Che: “Aonde tiver uma injustiça e o povo sofrendo, alí é o meu lugar”. Foi para a África e foi assassinado aqui na Bolívia. O que leva um cara que era médico e de família burguesa a encabeçar uma Revolução? Mas já não tinham tomado Cuba e Fidel não está vivo até hoje? Mas o ideal ardia no peito do cara. Eu achei Che às vezes mais crente que eu. Quantas vezes eu estou defendendo apenas a minha bolacha? Che morreu em nome de um ideal revolucionário. Se disserem que meu discurso é muito comunista eu digo que não: meu discurso é muito cristão. Só que o Jesus que eu leio não é o Jesus esotérico da maioria dos evangélicos. Esse Jesus da maioria dos evangélicos é um místico, da cura do câncer e de sonho e revelação. É o Jesus água com açúcar. Quem morreu na cruz era um zen. O cara já levou tudo na cruz então eu tenho que ficar aqui só recebendo benção. O Jesus que eu creio é o cara que faz a opção logo ao nascer. Nasce numa casa pobre, num estábulo e numa família de marceneiro. Depois, em vez de fazer o caminho do palácio faz o caminho da periferia. Em vez de fazer o caminho do morro da transfiguração faz o caminho dos renegados. Em vez de fazer o caminho da religião faz o caminho da escória. Engraçado é que quem mata Jesus não é a escória, é a religião. Faz o caminho do poder do povo e não do poder institucional. Quem mata Jesus é o poder institucional. Os religiosos de direita induziram o povo a gritar Barrabás, para deixar Jesus morrer. O Jesus que eu creio é o Jesus de pés empoeirados, que lida com o pobre e que confronta todo o poder instituído que oprime. O Pacto de Laussane pregou esse Jesus. O que ele dizia era: “O Evangelho Todo, para o homem todo e para todas as nações”. O problema é que a Teologia da Libertação e a Missão Integral do Evangelho foram sufocadas. O Vaticano dilacerou a Teologia da Libertação. Dom Hélder Câmara sofreu isso. Engraçado é que a Renovação Carismática não tem apoio do Vaticano, mas como junta gente, é tolerada. A igreja evangélica está no mesmo caminho. Eu não tenho nada contra o pentecostalismo. Tenho amigos e colegas como Ricardo Gondim e Carlos Queiróz que são pentecostais mas são engajados. Mas sou contra essa igreja neo-pentecostal, alopradérrima, que fica lutando contra demônios imaginários, ungindo postes entre outros, em vez de combater o coronelismo, a fome e as desigualdades reais. Isso é mais fácil. Pra mim, a opção da igreja evangélica foi pelo caminho mais fácil. É melhor brigar com o que não se vê do que encarar o governador corrupto e o juiz ladrão.

Jornal União: Há líderes evangélicos que discordam de que evangélicos escutem músicas como Jackson do Pandeiro, Tribo de Jah e Luíz Gonzaga, pois classificam esse estilo de música do mundo. O que o senhor acha disso?
Pastor Wellington: Parece até que deram minha discoteca lá de casa (risos). Lá em casa eu sento com minhas filhas, e ponho elas para ouvir Jackson do Pandeiro, Luís Gonzaga, Antônio Nóbrega e há pouco tempo eu fui apresentado musicalmente à Tribo de Jah. Lá em casa eu sempre digo que nós não ouvimos lixo. Nem lixo secular, nem lixo gospel. Tem muitos CDs que me deram por aí e que eu não joguei fora por questão de delicadeza, e não vou fazer a maldade de presentea- los para alguém. Mas também há os que eu ouço. Há CDs evangélicos que eu não ouço. Na verdade há mais heresia à doutrina e teologia em muita música auto- intitulada gospel do que na Música Popular Brasileira, entre outras. Quando as pessoas falam em não ouvir música do mundo, eu sempre digo que ainda não consegui ouvir música de Júpiter, Marte. No dia que lançar um CD de algum desses planetas, talvez eu consiga. Então, um evangélico que seja aluno de Psicologia não pode ler Freud e Jung, por eles não terem morrido crentes? Um aluno de Jornalismo e Sociologia não vai poder ler Marx? Aí vai dizer o que para o professor? Meu pastor disse que é do mundo?