Entrevista
Senador Magno Malta
Senador pelo Partido Liberal (PL) do Espírito Santo, Magno Malta é um personagem visível no cenário nacional. Evangélico, foi relator do projeto que reformou o Novo Código Civil e acabou com a equiparação das igrejas com associações. Mas a sua atuação mais marcante foi como presidente da CPI do Narcotráfico. Na semana passada esteve em Natal, e concedeu a seguinte entrevista ao Jornal União:
Jornal União: Seu partido é da base do atual governo federal. Como o senhor avalia o primeiro ano do governo Lula?
Magno Malta: Bom, muito bom. Lula pegou um carro a 300 quilômetros por hora, e carro a essa velocidade você não põe o pé no freio dele, senão vira. Então, ele tratou com muito cuidado de diminuir o Risco Brasil, fortaleceu o país no exterior, estabilizou o dólar, calou definitivamente a inflação e com isso criou algumas retrações, é claro. Na verdade Lula viveu em 2003 o exercício do orçamento de 2002, do governo Fernando Henrique Cardoso. Na verdade, as adversidades que foram imputadas ao governo Lula se fazem exatamente para poder fazer discurso de oposição. Mas, na verdade, de um a dez, eu diria que o governo foi oito.
Jornal União: No meio evangélico se comentava, há alguns anos, que Lula, devido ao seu discurso socialista, se fosse eleito iria perseguir as igrejas. Mas agora ele chegou ao poder e sancionou as mudanças no Novo Código Civil, que beneficiam as igrejas. O que o senhor acha disso?
Magno Malta: Acho que foi uma tremenda ignorância, uma tremenda besteira. O cara prega que nós estamos debaixo da mão de Deus, que tem poder. Que a Igreja é a noiva do Senhor Jesus e ninguém toca nela, depois tem medo de Lula? Que conversa é essa? Os romanos tentaram de fato essa medida, quando mataram os cristãos, jogaram no arena, o caramba a quatro e não calaram a igreja. Hitler não calou a Igreja. O comunismo não calou a Igreja. Lula é que ia calar? Eu não sou PT, mas já teve experiência do PT, exercendo o poder em prefeituras, e ninguém nunca foi lá fechar igrejas. Muito pelo contrário. Há muitos prefeitos por aí multando igrejas que não são de partidos de esquerda. No meu estado mesmo o prefeito é do PSDB e vive multando as igrejas. Isso por causa da chamada lei de silêncio. Mas usaram essas coisas na campanha contra o Lula. Espalharam um CD por aí, absurdo e mentiroso, feito por um Deputado Estadual que diz que é pastor. Mas quem tem compromisso com Deus não faz isso. Não difama ninguém, não mente para as pessoas para tirar proveito disso. Foi uma mentira que fizeram contra o Lula. Na verdade, disseram que a lei do silêncio ia calar as igrejas, mas isso nem existe. Pois, isso foi uma emenda no Senado que o Fernando Henrique vetou. Nem existe isso, tá certo? E aprouve Deus, até para ensinar para essas pessoas que quem cuida da Igreja é Ele, que o Lula fosse o sujeito que sancionasse a nova medida que mudou o Código Civil no sentido de garantir a liberdade das igrejas. Foi o que o Lula falou no discurso dele, quando foi sancionar a lei, dizendo que não sabia se era por destino ou vontade de Deus, mas ele estava sancionando a liberdade das igrejas para provar àqueles que espalharam pelo Brasil que iria fechar as igrejas. Ele disse que essas pessoas deviam um pedido de perdão não a ele, mas a Deus e às suas consciências. Infelizmente, em nosso meio, existem pessoas para tirar proveito político com informações mentirosas e contra-informações. Provam de fato, uma falta de conhecimento, não é? E se nós olharmos no campo espiritual, quem é Lula para parar a Igreja? Não é ninguém.
Jornal União: O senhor foi o relator do projeto que acabou com a obrigatoriedade das igrejas se tornarem associações, aprovado em Dezembro. Qual a importância disso para as igrejas evangélicas do Brasil?
Magno Malta: Não só evangélicas, como qualquer entidade religiosa. O nosso país, o Brasil, é um país laico. O Brasil não tem religião oficial. Aqui nós temos liberdade de culto garantida pela Constituição Federal, em qualquer lugar, seja praça pública ou não. Em sendo assim, nós temos liberdade enquanto entidade religiosa, temos estatutos e regulamentos próprios, sem que a mão do Estado esteja sobre a Igreja, pois não há mais religião oficial. Então, o Novo Código Civil tratava a Igreja como um Clube de futebol, uma associação qualquer, e o indivíduo que a ela pertence não é membro, mas é sócio, correto? E aí, as ofertas, por exemplo, a partir de 10 de Janeiro agora, se nós não tivéssemos feito essa emenda que derrubou essa medida do Código Civil, teriam que ser depositadas no banco - e não poderiam ser dadas na igreja- senão ia caracterizar caixa dois. O dízimo tinha que ir para o depósito lá. O sujeito que se desligasse da associação poderia ir na justiça e requerer o seu dízimo de volta. Agora você imagine o Ministério Público em cima da Igreja. O Estado em cima da Igreja. Nós perderíamos todas essas garantias que nos são dadas pela Constituição Federal. Mais que isso: do ponto de vista espiritual não há a menor condição que haja envolvimento ou intervenção do Estado sobre a Igreja. Então, eu reputo que a mudança no Código Civil , que atormentou durante um ano as igrejas e colocou as entidades religiosas desesperadas no país, tenha sido a maior vitória da Igreja no ano de 2003.
Jornal União:Algumas pessoas disseram que esse projeto só foi aprovado por que ele também incluía os partidos políticos, que deixaram de ser, também, equiparados às associações. O que o senhor acha disso?
Magno Malta: Claro, a vida é feita com estratégias, não é assim? Então, foi a estratégia que nós encontramos. Incluir os partidos políticos, para poder aprovar essa mudança com a velocidade que aprovamos. Isso foi feito de forma consciente.
Jornal União: No dia da posse do Presidente Lula, o senhor foi filmado o abraçando e falando com ele, por longo tempo. O que o senhor estava dizendo para ele?
Magno Malta: Foi um cochicho, e cochicho não se comenta (risos). É melhor nunca falar desse cochicho, senão as pessoas perdem a curiosidade. Mas, não tenha dúvida de que falamos de coisas concernentes a crime organizado, a violência no país, e eu dava ao Presidente da República, naquele momento, uma palavra de Deus no sentido de que Deus o havia ungido Presidente do Brasil. Ele realmente não entende o que é isso. Eu, então lhe disse: não precisa entender, só precisa agir como está agindo. Na verdade, a ação do Lula de combate à fome e à miséria, é uma ação sacerdotal de alguém que quer estender a mão aos menos favorecidos. Num país tão rico como o nosso, uma miséria tão grande como a que temos, sem dúvida nenhuma envergonha a todos nós. Acho que Lula é um instrumento de Deus e foi em torno dessas questões que nós cochichamos aqueles três minutos, no dia da posse dele.
Jornal União: O número de evangélicos no Brasil tem crescido muito. O senhor acha que o evangélico deve votar em outro evangélico, necessariamente?
Magno Malta: Eu acho que não. Essa história de que irmão vota em irmão é mentira. Isso foi uma idéia furada que inventaram, coisa de pilantra, para poder se eleger com voto evangélico. Eu acho que o irmão tem um privilégio comigo. É de ser avaliado primeiro. Eu não posso avaliar o outro, antes de avaliar o meu irmão. Mas eu não tenho compromisso de votar nele. Ninguém, no meu estado, tem compromisso de votar em mim. Mas tem obrigação de me dar oportunidade primeiro, de me avaliar primeiro. Tem que ser avaliado o interesse do candidato pelas lutas da sociedade, pelos interesses e sofrimentos da sociedade, o engajamento com as lutas da sociedade. Se esse sujeito tem ou não bandeira. Se ele vem lutando por essa bandeira, e se tem compromisso com a família dele. Pois em primeiro lugar vem a família, depois a Igreja. Você tem que ver se esse cara tem compromisso com a Igreja dele, enquanto evangélico. Se esse cara tem testemunho, se ele é dizimista, se está debaixo da autoridade pastoral. Você tem que ver uma série de coisa para poder ver se pode confiar nessa pessoa. Quando a eleição chega todo mundo é evangélico. Tem gente que vota num irmão para a igreja não pagar mais IPTU. Tá certo isso? Igreja sou eu. O prédio é o prédio. No dia que você tirar o IPTU do prédio vai aumentar o do vizinho. É normal isso? Então essas conversas bobas de que temos que eleger irmão, pois o irmão vai arrumar palanque para poder fazer evento, vai arrumar ônibus para os jovens viajarem. Esse tipo de comportamento inconseqüente e até imoral, tem que acabar. Esse tipo de visão não tem que existir. Enquanto cidadão, o cristão tem que se comportar de maneira tão significativa, que o espírita, o macumbeiro e o ateu tem que olhar para ele e achar que ele, enquanto cidadão, é digno do seu voto, independente de ele ser evangélico, ou não, tá certo? Ele precisa exercer vida pública para todos. Você não é eleito para representar e lutar apenas por um segmento. Eu não gosto dessa história de bancada evangélica. Pois, amanhã vai ter bancada espírita, católica e ateísta. Então nós iremos fazer uma guerra religiosa nesse país? Eu acho que deve ter bancada de homens e mulheres de bem, honrados e que tenham vergonha na cara.
Jornal União: Por que o senhor propõe a redução da maioridade penal?
Magno Malta: Eu sou a favor da redução da maioridade penal para treze anos. A minha proposta é essa. Eu acho que nós vivemos muita hipocrisia nesse país. E acho que o homem que está no Poder Legislativo pode e deve produzir leis, e fazer a fiscalização. Essa redução da maioridade penal, faz parte de uma série de medidas para conter a violência no país. Na verdade, quando na minha Proposta de mudança constitucional, PEC, eu propus a redução para treze anos, que leva o nome da Liana Friedenbach, menina que foi assassinada em São Paulo, eu estava querendo suscitar a discussão no país. Conseguí isso, e pesquisas vieram informando que 88 % são a favor da redução, outra dá 92%. Isso por que a lei brasileira hoje não educa e não é pedagógica. A lei brasileira só protege a quem comente o crime. Como isso acontece? A gente, quando tem uma criança, você mostra para ela o fogo e fala: ó meu filho, isso aqui é o fogo. Se você colocar a sua mão aqui, queima. Você vai ficar com a mãozinha queimada, aleijada e vai tomar injeção. Você vai ter que ir para o médico, e ficar no hospital. Meu filho, não ponha a mão aqui não. Dessa forma, você está ensinando. Mas a lei brasileira não diz isso não. Sabe o que ela diz? Ponha a mão no fogo, se queimar até os dezessete anos eu pago tudo, eu me responsabilizo, eu te protejo, eu tomo conta de sua mão queimada. Até dezessete anos pode queimar a mão, que eu resolvo para você. Depois eu não faço mais não, mas até agora você queima, tá certo? Não. A lei tem que impor limites. A lei tem que ser pedagógica. O que nós estamos dizendo? Quando eu propus os treze foi para produzir a discussão. Na verdade, a minha justificativa na lei diz o seguinte: qualquer brasileiro, de dezoito anos para baixo, que cometer crime hediondo, que perca sua menoridade, seja colocado na maioridade para pagar as penas da lei. Pronto! Se o menino de oito anos estuprar, é problema dele. Vai ter que pagar pelo estupro dele. Duvido muito que um menino de oito anos vá estuprar alguém. Mas se estuprar, tudo bem. Se um menino de doze anos entrar entrar num banco e fizer seqüestro seguido de morte, é problema dele, tá certo? É o que a Bíblia diz : “alegra-te jovem na tua mocidade e faça tudo que quiser fazer. Mas saiba, porém, que um dia vão te pedir em conta”, correto? Então, deixe o jovem do jeito que está. Deixe. Não mexe. É dezessete, é dezesseis, quinze, doze. Deixa tudo igual. Agora, diga a ele: olha, se você cometer crime hediondo, você perde sua menoridade. Você vai ensinar seu filho assim. O seu neto você vai ensinar e na escola ele vai aprender que não pode atentar contra a honra e contra a integridade física de ninguém, tá certo? Porque, se isso ocorrer, ele vai perder a menoridade e será colocado na maioridade penal. Agora, os que são contra a medida dizem que não dá para colocar esses meninos nesses presídios que estão aí. Vai virar um bandido pior ainda. Tá corretíssimo. Mas agora não é problema meu. É problema do governo federal. Na verdade, nós temos que, junto com essa medida, discutir o problema prisional e penal do Brasil. Precisamos construir presídios onde o sujeito possa pagar sua dívida com dignidade. O que nós temos hoje são depósitos de seres humanos. Numa cela de quatro por quatro, fica quinze, vinte pessoas, para comer o marmitex em cima do vaso sanitário. Isso é tratamento para bicho. Nós temos que produzir presídios onde o indivíduo possa trabalhar, estudar e que já entre sabendo que terá que ressarcir o Estado, e que vá trabalhar para indenizar a família da vítima. Deveria terceirizar os presídios. Eles deveriam pagar sua pena com trabalho. Isso para meninos de quinze e homens de vinte, trinta, quarenta, cinquenta anos. O que não podemos é usar esse argumento de que não temos presídio para proteger um maior de dezessete anos de idade, que mete um ferro na cabeça de um cidadão de bem, chama ele de vagabundo, leva ele na casa dele, estupra sua mulher na frente dele, depois sai e a polícia põe a mão nele, e ele diz: tire a mão de mim que eu sou menor. Que história é essa? Onde nós estamos vivendo? Nós somos os fomentadores da violência nesse país. Nós vivemos uma hipocrisia muito grande. Quem mata com dezessete anos, mata com dezesseis. Quem estupra com dezessete, estupra com dezesseis. O menino com dezesseis anos de idade, faz filho, estupra e mata do mesmo jeito. Vou propor que um menino de dezesseis anos possa tirar carteira de habilitação. Ele não pode votar aos dezesseis? Quero discutir isso com o Brasil, agora. Mas, sou plenamente a favor de que qualquer brasileiro que cometer crime hediondo com menos de dezoito anos de idade, não importa a idade, que pague pelo crime cometido.
Jornal União: Algumas pessoas dizem que essa redução da maioridade penal, ao invés de resolver o problema iria encobrí- lo. Pois esse problema é de raíz social, gerado pela própria sociedade. Por que não melhorar a sociedade, com eduçação e saúde de qualidade para todos, ao invés de reduzir a maioridade penal?
Magno Malta: Essas pessoas que dizem isso precisam dizer como elas estão agindo na sociedade. Precisa saber primeiro o que elas fazem. Pois, eu, quando falo disso, estou há 25 anos tirando gente da rua. Recuperando gente. Você tem que ter autoridade do que você faz. Então, quando o cara discute esse assunto ele tem que primeiro dizer o que ele faz. De conversa fiada eu estou cheio.
19.1.04
Criminosos comuns ou menores infratores?
Projetos para redução da maioridade penal dividem opiniões e suscitam discussões entre especialistas
Um dos temas mais controversos na pauta da discussão nacional no momento é a redução da maioridade penal. A PEC (Proposta de Emenda Constitucional) apelidada de Liana Friedenbach (adolescente morta com o namorado em novembro por um outro adolescente de dezesseis anos) tramita no Congresso Nacional e objetiva reduzir a maioridade para doze anos no caso de crimes hediondos.
O projeto polêmico é de autoria do senador evangélico Magno Malta (PL/ES) (veja seção “Diálogos” desta edição) e não é o único a tratar do tema. O Legislativo Federal espera ter resultados sobre a discussão do tema até o meio deste ano.
Desde que o debate se reacendeu, as opiniões que vêm sendo expressas são extremamente divergentes. Do lado dos favoráveis à redução da maioridade penal encontram-se personalidades como o cardeal arcebispo de Aparecida do Norte (SP), D. Aloísio Lorscheider, o presidente do Senado, José Sarney, e o presidente do Tribunal Superior do Trabalho, ministro Francisco Fausto.
No pólo oposto estão o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, o ministro da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, Nilmário Miranda, e a Defensora-Geral da União, Anne Elizabeth Nunes.
Mas, certamente, o crítico mais importante dos projetos de redução da maioridade penal é o próprio Presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva. No entendimento do Presidente, a sociedade tem uma enorme dívida social com a juventude. "Até entendo que um pai e uma mãe machucados com a morte brutal de uma filha possam reagir emocionalmente. Todos que estamos aqui poderemos reagir emocionalmente e querer vingança, se acontecer algo com um filho, um parente ou conhecido próximo. Agora, o Estado, não. Não pode reagir emocionalmente. O Estado, através de suas instituições, tem de fazer justiça e precisa julgar sem nenhuma paixão, porque, senão, continuaremos a cometer erros neste País", disse Lula. E ele criticou também os que pedem a adoção da pena de morte no Brasil. "Será que as pessoas pediram pena de morte para os policiais que praticaram a chacina da Candelária, será que as pessoas pedem pena abrupta quando um adulto que estupra uma menina ou quando faz sexo com uma menina nesses bordéis da noite espalhados pelo País, tirando proveito da situação financeira delas?", questionou.
O pastor João Maria Medeiros, diretor do Orfanato Lírio do Vale, que atende menores em situações de risco, é favorável à redução da maioridade penal até os dezesseis anos, já que jovens com essa idade já possuem o direito facultativo de voto. “Mas acreditar que isso vai resolver o problema da criminalidade é perder tempo”, disse ele.
Para o pastor, o único meio de se reduzir a criminalidade juvenil é investir em educação. “O nosso sistema educacional foi sucateado e falido nos últimos vinte anos para fortalecer o setor privado. O menor ficou à mercê da marginalidade”, avaliou ele.
O papel da igreja evangélica no processo de ressocialização dos menores infratores é imprescindível. As instituições que trabalham nessa área reconhecem que “quem mais tira jovens da marginalidade é a igreja evangélica”, disse Medeiros. Mas, para ele, a igreja ainda pode melhorar sua participação se envolvendo nas políticas públicas, conselhos municipais e mesmo realizando ações e atos públicos dirigidos a esse resgate de cidadania.
O pastor João Maria Medeiros acredita na ressocialização dos menores infratores. Desde que houvesse “locais onde o menor infrator pudesse ter sua terapia, se sentir valorizado, aprender uma profissão, freqüentar a escola”, concluiu.
A evangélica Geysa Costa é agente especial da Polícia Civil trabalhando no Conen (Conselho Estadual de Entorpecentes). O Conen, que é coordenado hoje pela delegada Dra. Renata Cunha, é responsável pelo desenvolvimento de toda política estadual anti-drogas, inclusive na fiscalização e repressão ao consumo de entorpecentes.
Para ela o aumento das taxas de criminalidade infanto-juvenil relaciona-se ao uso abusivo de drogas. “Para cumprir o vício, os menores acabam se marginalizando, independente da classe social a que pertençam”, disse ela. Dessa maneira, a redução da maioridade penal não é uma solução viável para reduzir os índices de criminalidade. “Porque a questão se liga a uma estrutura maior, mais abrangente, não pode ser tratada só por força da lei”, acredita Geysa. Concordando com o Pr. João Maria, ela defende que investir em educação é uma melhor solução e mais duradoura. “A mudança da lei só teria resultado se fosse acompanhada por uma ação social mais ampla”, defende.
Nesse sentido, o Conen está propondo em 2004 ao Governo Estadual a inclusão da disciplina “Prevenção ao uso abusivo de drogas” no currículo das escolas públicas e particulares do Rio Grande do Norte.
Geysa destaca como instituições que desempenham melhor as tarefas de reedução e ressocialização de menores infratores no RN o CRIAD (Centro de Referência e Apoio à Criança e ao Adolescente Usuário de Drogas) e o Amor Exigente, ambos ligados à Vara da Infância e do Adolescente.
Mas ela acredita que é preciso se criar com urgência uma casa abrigo para acolher crianças que tenha cometido algum tipo de delito, especialmente as que ainda não foram levadas à justiça. “Ali elas seriam tratadas por uma equipe multidisciplinar, não apenas por nove meses, e lhes seria garantida uma ocupação em que possam receber remuneração ao sair da instituição”, defende.
Como ficou claro no debate, a questão, mesmo polêmica, é bem mais abrangente do que qualquer dos projetos que têm sido expostos na mídia parece fazer crer. A resolução de problemas como a criminalidade juvenil no Brasil passa por uma discussão ampla de toda a sociedade e pelo solucionamento de todos os aspectos relacionados à enorme desigualdade e à dívida social que a nação tem legado às novas gerações.
Redução da maioridade penal
Delinqüência juvenil se resolve aumentando oportunidades
e não reduzindo idade penal
Com a justificativa de que “a medida já é adotada no mundo inteiro” e de que os menores “são utilizados pelo crime organizado para acobertar as suas ações”, o Congresso Nacional discute no momento a alteração da menoridade penal, retirando a previsão de inimputabilidade para menores de 18 anos e delegando a questão à lei específica que estabeleça um novo limite etário, que leve em conta “os aspectos psicossociais do agente”. O deputado e ex-coronel Alberto Fraga vai ainda mais longe e sugere que a idade limite deva ser fixada aos 11 anos de idade. Não está longe o dia em que algum parlamentar, preocupado com a delinqüência juvenil, proporá emenda sugerindo a internação imediata de todos os recém nascidos de famílias pobres, cuja soltura eventual ficará condicionada ao exame de suas características psicossocias.
O argumento da universalidade da punição legal aos menores de 18 anos, além de precário como justificativa, é empiricamente falso. Dados da ONU, que realiza a cada quatro anos a pesquisa Crime Trends (Tendências do Crime), revelam que são minoria os países que definem o adulto como pessoa menor de 18 anos e que a maior parte destes é composta por países que não asseguram os direitos básicos da cidadania aos seus jovens.
Das 57 legislações analisadas, apenas 17% adotam idade menor do que 18 anos como critério para a definição legal de adulto: Bermudas, Chipre, Estados Unidos, Grécia, Haiti, Índia, Inglaterra, Marrocos, Nicarágua, São Vicente e Granadas. Alemanha e Espanha elevaram recentemente para 18 a idade penal e a primeira criou ainda um sistema especial para julgar os jovens na faixa de 18 a 21 anos.
Com exceção de Estados Unidos e Inglaterra, todos os demais são considerados pela ONU como países de médio ou baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o que torna a punição de jovens infratores ainda mais problemática. Enquanto nos EUA e Inglaterra a juventude tem assegurada condições mínimas de saúde, alimentação e educação, nos demais países – como o Brasil – isto está longe de acontecer. Nos países desenvolvidos pode fazer algum sentido argumentar que a sociedade deu aos jovens o mínimo necessário e, com base nesse pressuposto, responsabilizar individualmente os que transgridem a lei. Por outro lado, na Nicarágua, Índia ou no Brasil, este pressuposto é totalmente falso: em todo o país, apenas 3,96% dos adolescentes que cumprem medida sócio-educativa concluíram o ensino fundamental. É imoral querer equiparar a legislação penal juvenil brasileira à inglesa ou norte-americana - esquecendo-se da qualidade de vida que os jovens desfrutam naqueles países. Que o Estado assegure primeiro as mesmas condições e depois, quiçá, terá alguma moral para falar em responsabilidade individual e alterar a lei.
Não se argumente que o problema da delinqüência juvenil aqui é mais grave que alhures e que por isso a punição deve ser mais rigorosa: tomando 55 países da pesquisa da ONU como base, na média os jovens representam 11,6% do total de infratores, enquanto no Brasil a participação dos jovens na criminalidade está em torno de 10%. Portanto, dentro dos padrões internacionais e abaixo mesmo do que se deveria esperar, em virtude das carências generalizadas dos jovens brasileiros. No Japão, onde tem tudo, os jovens representam 42,6% dos infratores e ainda assim a idade penal é de 20 anos. Se o Brasil chama a atenção por algum motivo é pela enorme proporção de jovens vítimas de crimes e não pela de infratores.
É típico da estrutura do pensamento conservador argumentar em abstrato e jogar a discussão para o plano da responsabilidade individual, como se as pessoas e suas “características psicossociais” pairassem no vácuo. Uma análise superficial da origem dos infratores é suficiente para mostrar como “responsabilidade” e “moralidade” estão longe de ser atributos distribuídos aleatoriamente pela sociedade.
A Secretaria de Desenvolvimento e Bem Estar Social, que administra a Febem, divulgou recentemente um estudo sobre os bairros de origem dos internos da instituição. Não por acaso, existe uma elevada correlação com os bairros mais violentos de São Paulo: Sapopemba, Capão Redondo, Jardim São Luis, Grajaú, Cidade Ademar, Brasilândia e Jardim Ângela foram os bairros com maior número absoluto de homicídios entre 1996 e 1999. Cerca de ¼ dos internos da Febem paulista residiam precisamente nestes locais. Existe uma estreita correspondência entre o número de homicídios nos 96 bairros da Capital e o número de internos na Febem, por bairro.
Isto significa que estes jovens cresceram em contextos extremamente violentos, criados na periferia de uma das cidades mais violentas do planeta. Diante desta forte associação entre delinqüência e contexto de socialização, como argumentar que se tratou de uma “opção” pela marginalidade e querer responsabilizar individualmente o adolescente por “decidir” delinqüir?
Rebaixar a idade penal para que os indivíduos com menos de 18 não sejam utilizados pelo crime organizado equivale a jogar no mundo do crime jovens cada vez menores: adote-se o critério de 16 e os traficantes recrutarão os de 15, reduza-se para 11 e na manhã seguinte os de 10 serão aliciados como soldados do tráfico.
A idéia de que a medida tem um impacto intimidatório e que contribuiria para diminuir a criminalidade não se sustenta, pois a cadeia já se demonstrou punição insuficiente para refrear aos adultos. Ao contrário, a experiência precoce na cadeia contribuirá para aumentar ainda mais a criminalidade uma vez que a taxa de reincidência no sistema carcerário é superior a taxa nas instituições juvenis:
Em resumo, além de imorais numa sociedade excludente como a brasileira, os argumentos da universalidade do rebaixamento e de que a medida contribuiria para reduzir a criminalidade ou o crime organizado são equivocados. Responsabilizar diferentemente um jovem de 17 e outro de 18 anos por atos idênticos é uma opção de política criminal adotada na maioria dos paises desenvolvidos, que procuram oferecer oportunidades diferenciadas para que o jovem supere o envolvimento com o crime. Não se trata de sua capacidade de entendimento e sim da inconveniência de submetê-los ao mesmo sistema reservado aos adultos, comprovadamente falido. Baixar a idade penal é baixar um degrau no processo civilizatório. Ao invés disso, propomos aumentar as oportunidades que a sociedade brasileira raramente concede aos seus jovens.
Tulio Kahn, 35, é doutor em ciência política pela USP e coordenador de pesquisa do Ilanud – Instituto Latino Americano das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e o Tratamento do Delinqüente